As candidaturas de mulheres no Rio de Janeiro após a execução de Marielle Franco
É tempo de mulheres sem medo
Em muito pouco tempo, completamos seis meses desde que o carro que levava a quinta vereadora mais votada de uma das maiores cidades brasileiras sofreu uma emboscada. Seis meses desde que, no centro desta cidade, por volta das nove horas da noite, um homem acertou com quatro tiros a cabeça de uma mulher que representava mais de 46 mil pessoas. Seis meses desde que a vida política nesta cidade não é mais a mesma. Seis meses desde que nos tentaram enviar um recado. Tentaram avisar-nos que uma mulher negra, socióloga, favelada, mãe, lésbica, militante – entre tantas outras mulheres que foi Marielle Franco – não pode fazer política. Não conseguiram.
Menos de sessenta dias depois da execução de Marielle, a mareense Renata Souza lançou sua pré-candidatura à Assembleia Legislativa. Jornalista, doutora em Comunicação, pós-doutoranda, chefe de gabinete de Marielle e fundadora do mais importante jornal comunitário do Rio de Janeiro, o Jornal O Cidadão, Renata é só um dos sinais da resistência política. Talíria Petrone, Mônica Francisco, Dani Monteiro, Veronica Lima, Rose Cipriano, Jaqueline de Jesus, Thaís Ferreira, Glorya Ramos, Dani Balbi. Muitas, muitas mais. Mulheres negras, brancas, cis, trans, diversas, que responderam com coragem à imposição do medo e lançaram-se, muitas pela primeira vez, como candidatas a cargos políticos por diferentes partidos no Rio de Janeiro.
Dani Balbi estreia como candidata este ano, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Mulher negra e trans, Dani é doutoranda e professora do Colégio de Aplicação da UFRJ, cujos alunos ajudaram-na em um financiamento coletivo que pagou sua cirurgia de redesignação sexual, realizada em 2016. “Eu poderia não virar candidata, continuar conduzindo a minha pesquisa e trabalhando. Estaria inclinada a não lançar candidatura neste momento”, explica. O brutal assassinato de Marielle, no entanto, indicou aos partidos a responsabilidade de lançarem candidaturas de resistência e desafiou mulheres que não necessariamente planejavam este caminho político. “Quando este espaço é negado a uma de nós, somos todas desafiadas”, afirma Dani.
A cada dez candidatos cadastrados nestas eleições, apenas três são mulheres, e o cenário político nacional é, de fato, amedrontador. “Nós, favelados, não temos medo e não daremos nenhum passo atrás.” É o que afirma, em campanha, Renata Souza.
Mônica Francisco, socióloga, negra, cristã e moradora do Borel, lança o aviso: “Nos tiraram tanto que perdemos o medo, perdemos o medo de ocupar todos os espaços, inclusive a política”. As duas são candidatas pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSoL), o mesmo de Marielle. Os assassinos da vereadora tentaram plantar o medo e assistem ao florescer da coragem de mulheres insubmissas.
Além da perspectiva de maior presença feminina de esquerda na Alerj, o movimento de construção dessas candidaturas é um dos mais belos sinais de resistência e coragem. Mais de 90% das pessoas envolvidas na campanha de Dani Balbi são mulheres e/ou LGBTIs – o que acontece também, em proporções diferentes, em outras campanhas. Esse movimento não tem volta. Dani diz ter certeza de que sairemos disto tudo ainda maiores. Eu acredito que já saímos. Marielle brotou.
Marília Gonçalves
Jornalista