A dependência por pessoas
“ […] Segundo Norwood, a negação é uma das ferramentas mais usadas por mulheres que amam demais. Na infância, elas negam que aquilo acontece com elas. Elas negam, até que elas mesmas consigam acreditar que a violência física, moral ou sexual não acontece. Porque se a mente dessa criança realmente tivesse que lidar com aqueles problemas, ela ruiria e morreria. Enlouqueceria, no mínimo. Então, a criança aprende a acreditar na negação. Todos os acontecimentos horríveis são negados e ela se explica dizendo que é a doença ou o vício do pai que o faz agir daquela forma, que ele não tem culpa, que aquilo não é tão grave quanto realmente é. Essa ‘proteção’ da mente, porém, é uma faca de dois gumes. Pode ajudar a manter a sanidade, mas não há meios de ‘tirar’ essa proteção quando não se precisa mais dela, assim como uma perna calejada não voltará a ter a mesma sensibilidade de antes. Por isso, no futuro, essa criança, que aprendeu a negar tudo, continuará negando. Será́ um adulto que terá́ dificuldade em ver o que os outros fazem a ele. Será́ a esposa que nega que o marido a trai, que nega que apanha, que nega que é humilhada. E, mesmo com as coisas acontecendo na frente dela, ela achará uma desculpa para crer que a situação vai mudar.”
Esse trecho forte e reflexivo integra o livro-reportagem da jornalista Fernanda Braite, Amadas, lançado pela Primavera Editorial. Nele, a jovem autora acompanha a jornada de mulheres de uma mesma família, cujos destinos estão enredados em relacionamentos doentes; uma teia que parece ter sido estruturada antes mesmo de elas terem nascido e que prende não apenas as protagonistas do livro, mas todos à volta delas. Cabe, a cada uma dessas mulheres, sustentar ou quebrar esse ciclo de relacionamentos abusivos. A dependência por pessoas pontua muitas histórias reais como essas.
As Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA) – pano de fundo desta obra – são, na origem, pessoas que passaram por situações de codependência, na qual um dos pais, um dos irmãos ou o marido é alcoólatra, ou apresenta um caráter egoísta ou violento. O principal “sintoma” costuma ser, geralmente, o ímpeto que essa mulher tem de ser prestativa em demasia. Ela é capaz de fazer mil malabarismos, de ser a personificação da mulher-maravilha para quem sabe, assim, ser amada. E, aqui, cabe a reflexão de que a valorização social da “supermulher” tem um papel extremamente prejudicial para muitas de nós.
Debater temas difíceis, mas relevantes como a dependência por pessoas é essencial para lançarmos luz em um problema real e que destroça tantas mulheres. Com esse lançamento, esperamos contribuir não apenas com essa reflexão, mas com a visibilidade do trabalho feito pelo MADA e, para além disso, deixar claro que nenhuma mulher precisa sofrer sozinha. Como diz Fernanda Braite, no livro:
“Mesmo com toda a cadeia de sofrimento que a insegurança e o medo podem criar, isso não precisa ser eterno”.