As barrigas de aluguel da Indochina e os desafios do feminismo
Embarquei para a Indochina em abril de 2019, movida pela expectativa de conhecer países culturalmente tão diferentes do Brasil. No roteiro, iria conhecer cidades do Camboja, Vietnã e Laos. E, ao mesmo tempo, ecoava na minha mente, a notícia das 33 mulheres presas em uma vila de Phnom Penh, capital do Camboja, por serem barrigas de aluguel de clientes estrangeiros.
Aceitar cumprir pena por 20 anos ou permanecer com os bebês até completarem 18 anos – essa foi a escolha dada pela justiça a elas. Ou seja, as crianças não deveriam ser entregues aos pais biológicos.
A indústria de barrigas de aluguel se estabeleceu no país, após a proibição da prática pela Tailândia, Índia e Nepal, entre 2015 e 2016. Ao mesmo tempo, na China, o governo arrefeceu a proibição do segundo filho, impulsionando o desejo, entre os chineses, de ter mais crianças.
Com idade avançada, a busca por mães de aluguel foi a solução encontrada para aumentar as famílias.
Sudoeste da Ásia, a Indochina – que abarca Vietnã, Laos e Camboja, países de uma região forjada à sombrado modo de ser indiano (leste) e chinês (sul) – foi colônia francesa entre meados do século XIX e XX.
Essa configuração, entre duas grandes culturas asiáticas e a influência europeia, marcou profundamente a região. Somado a isso, o impacto das grandes guerras transformou o destino desses países. Em cada cidade – dos grandes centros às menores – vi uma população tentando se reerguer.
Muitos projetos de cooperação internacional tentam levar alento, emprego e oportunidades aos jovens, que são maioria da população. Os franceses voltaram para o Camboja, mas não como colonizadores. Um grupo de filantropos criou uma escola de artesanato e tem desenvolvido técnicas e arte para profissionalizar uma nova geração.
No Vietnã, as mulheres que nasceram durante a guerra com os Estados Unidos, que terminou em 1975, ou pós esse período, hoje comandam suas próprias empresas – algumas, lideram impérios corporativos.
Considerada parte do sudoeste asiático continental, a Tailândia é um caso a parte. Com o turismo mais desenvolvido, lida cotidianamente com uma igualdade precária. As mulheres não podem ser tocadas; vivem em um pedestal que as oprime.
Conhecer a Indochina me levou a pensar nos diferentes cenários culturais vivenciados pelas mulheres. Quando pensamos nos desafios do feminismo do século XXI, temos que considerar esses diferentes contextos socioculturais que nos distingue. Vivenciar essas culturas com profundo respeito e capacidade de escuta é uma das grandes lições que levo dessa experiência.
Lu Magalhães, Presidente da Primavera Editorial