Mulheres que leem e mulheres que escrevem: os desafios da Primavera Editorial
“Quando comecei a escrever, há quase 40 anos, a minha agente me disse que, por ser mulher, ia me custar o dobro do esforço exigido de qualquer homem para obter metade do reconhecimento. Ela me disse, também, que a crítica seria muito dura comigo ou simplesmente iria me ignorar; que meus colegas não me perdoariam se eu tivesse êxito. Posso acrescentar que os professores de literatura ensinam muito pouco sobre autoras; que já foi dito de mim que não sou escritora, mas ‘escrevinhadora’, porque vendo mais livros do que a maioria dos escritores conhecidos. (…) Custou-me obter respeito, mas nessa trajetória não estou sozinha. Cada vez mais há mulheres escritoras publicadas e suas vozes não podem ser silenciadas”.
Isabel Allende, O Estado de S. Paulo.
Quando li, recentemente, a entrevista da escritora argentina, confesso que me enchi de orgulho e, ao mesmo tempo, de senso de responsabilidade. Criei a Primavera Editorial com o firme propósito de incentivar as brasileiras e leitoras de Língua Portuguesa a consumirem textos de qualidade que, em quase 100% dos nossos lançamentos, foram produzidos por outras mulheres tão potentes quanto as nossas clientes. Mulheres que leem e mulheres que escrevem… sempre acreditei que essa postura – de apoiar escritoras e leitoras, criando uma ponte entre elas – pode construir uma sociedade melhor, sobretudo, porque vejo mais e mais mulheres mostrando apreço pela instrução.
São elas a maioria entre as pessoas que concluíram o ensino superior, inclusive. Não que o ensino formal seja o detentor único do saber, mas esse é um termômetro interessante, a meu ver, sobre o quanto as manas buscam capacitação. Mulheres que leem são protagonistas de suas histórias.
2020: um ano importante para as mulheres que leem
Em 2020, um ano especialmente difícil para todos, continuamos com o objetivo de investir não somente em títulos muito relevantes e inovadores, mas apoiando a causa feminina com eventos e projetos disruptivos. A equipe da Primavera Editorial – que, aliás, é 90% composta por profissionais mulheres – acredita que a leitura favorece um ambiente para o conhecimento florescer, provoca reflexões e modifica a posição intelectual, profissional e social. Isso porque as mulheres que leem transformam informação qualificada em instrumento de empoderamento.
Ler, para as mulheres, é um espaço de poder!
Mulheres que escrevem e a importância de representatividade
Esse ano, tivemos o orgulho de publicar uma coleção de obras da poetisa portuguesa Florbela Espanca. Embora ofuscada pela figura de escritores – como Fernando Pessoa, por exemplo –, ela foi um dos grandes nomes da poesia portuguesa.
Publicamos também Mulher Solteira Feliz, de Gunda Windmüller, um livro que considero estar em sintonia com os novos tempos. Com três blocos – Do Amor, Sobre as Mulheres, e Rumo à Liberdade – ele apresenta reflexões sobre o relacionamento clássico; o que o amor fez com o feminino; ego e a realidade do desejo masculino; o conceito de single shaming (vergonha de ser solteira); envelhecer sozinha; o melhor de estar sozinha; e o único amor verdadeiro.
Estamos orgulhosas de lançar Natureza Íntima – Fendas de uma Mulher, de Maria Barretto. Ela é uma estudiosa do sagrado feminino – filosofia que promove a consciência sobre os aspectos espirituais, mentais, emocionais e físicos das mulheres; que fala sobre as forças e capacidades; que estimula a conexão com a intuição e a natureza.
No segundo semestre, lançamos o livro Nem tudo tem que ser seu (All This Could Be Yours, título original), de Jami Attenberg. A obra é uma exploração oportuna e penetrante do que significa ser pego na teia de um homem tóxico; mostra como um relacionamento abusivo pode envolver gerações e aborda o que é preciso para se libertar.
Agora, no finalzinho do ano, estamos trabalhando em Projeto Lakewood, de Megan Giddings, um romance provocativo e emocionante, que traz um olhar especial para os dilemas morais que muitas famílias – das classes trabalhadoras – enfrentam; fala, ainda, do horror imposto aos corpos, sobretudo os negros.
Projetos da Primavera para mulheres que leem
Entre os projetos, destaco a 1ª Feira de Livros Rita Lobato – iniciativa que reuniu players do mercado editorial brasileiro como Jandaíra, Grupo Autêntica, Grupo Editorial Pensamento, Quintal Edições, Dita, Blusher e Luas Editora. O evento online contou com uma ampla programação de rodas de conversa, abordando temas como gênero e as diversas normas sociais que validam essas construções. A ideia foi associar os temas à uma produção literária de qualidade e debates propositivos.
A feira foi a nossa forma de prestar uma homenagem à primeira mulher formada em medicina no Brasil, que se especializou em obstetrícia pela Universidade Federal da Bahia, em outubro de 1887. Um passado feminino que nos ajuda a entender o presente e construir novos arranjos futuros.
A alegria de 2020 foi termos criado o Ramalhete de Livros, um projeto que aproxima autoras e leitoras, um clube do livro que traz novas experiências coletivas para o ato de ler.
Que venha 2021… estaremos preparadas e cheias de novidades!
Lu Magalhães, presidente da Primavera Editorial