Peculiaridades da Copa do Mundo Catar
A Copa do Mundo tem despertado interesse do mundo no Catar. Da minha parte, um dos interesses recai em entender qual é o papel da mulher nessa sociedade que considera gravidez fora do casamento como um crime.
Para além de ser uma celebração de um dos esportes mais populares do planeta, as Copas do Mundo possuem uma dimensão social e política que impacta mesmo quem não liga para futebol. Sem vestidos curtos, álcool isento de impostos ou demonstrações públicas de afetividade, a Copa do Mundo FIFA 2022 no Catar entrará para a história por ser uma edição com regras bizarras para os torcedores e por um presença contida – quase invisível e temerosa – das mulheres.
Vamos primeiro às regras para os torcedores que foram ao país do Oriente Médio. As “roupas reveladoras” podem render aos estrangeiros punições severas, ou seja, o governo local “recomenda” cuidados com a quantidade de pele expostas. Embora não se espere que as torcedoras usem a abaya (túnica preta tradicional mulçumana), espera-se que cubram a barriga e os ombros – e que as saias e vestidos sejam abaixo dos joelhos. Há câmaras especiais que garantem às autoridades do Catar fazer essa fiscalização e punir, com rigor, os infratores. Sobre a bebida, os torcedores devem evitar comprar no duty-free, porque a importação de álcool é ilegal no país. Em alguns hotéis é permitido beber, porém, o custo é bem alto. A importação de pornografia e brinquedos sexuais, produtos suínos e livros religiosos é ilegal! Ah… os torcedores também podem ser multados por jogar lixo em local não permitido.
Em segundo lugar, gostaria de falar sobre a situação das mulheres no Catar – um país onde elas trabalham, ocupam cargos públicos, viajam em supercarros ao longo da orla repleta de palmeiras, são juízas, embaixadoras e ministras, além de jóqueis de corrida. Embora haja uma certa “liberdade”, o relatório Global Gender Gap, do Fórum Econômico Mundial, aponta que se trata de uma sociedade tradicional com raízes no interior da Península Arábica. O que isso quer dizer? Que é uma nação na qual teve origem uma maneira ultraconservadora do Islã – o wahhabismo. Não por acaso, grupos de defesa dos direitos humanos apontam que o sistema legal do Catar, baseado na lei islâmica ou Shariah, impede o avanço das mulheres. Na prática, a Constituição prega a igualdade entre os cidadãos, mas analistas internacionais do sistema jurídico do Catar afirmam que o país discrimina mulheres no tocante à liberdade de movimento e questões de casamento (guarda dos filhos e herança).
As mulheres podem herdar propriedades, mas as filhas recebem metade do que os filhos; os homens podem se divorciar com facilidade, mas as mulheres precisam recorrer aos tribunais e apresentarem motivos aceitáveis. Homens podem se casar com até quatro esposas, as mulheres precisam de autorização para se casar em qualquer idade. E precisam de autorização de um tutor (masculino, claro) para deixarem o país e as solteiras com menos de 30 anos não podem se hospedar em hotéis. As que engravidam fora do casamento são processadas por sexo extraconjugal. E, basta dizer que não há nenhum órgão de governo dedicado aos direitos das mulheres.
Sobre a presença nos estádios, apesar de não serem proibidas de frequentar esses locais, elas não têm o hábito de torcer. Na abertura da Copa, pudemos ver que muitas se posicionaram ao lado de uma torcida organizada local – majoritariamente masculina.
Com cabelos cobertos e vestidas de maneira tradicional, elas marcaram presença e torceram dentro das possibilidades.