Sobre ser mãe: uma estranha que está grávida
“Às vezes me esqueço completamente de que estou grávida. Fico por horas em um café, escrevendo, e minha condição me escapa à mente. Esses são bons dias, em que me sinto livre, apenas um cérebro em uma cuba. Mas o feitiço é quebrado quando me levanto para ir ao banheiro e tento passar, espremida, pelos pescoços dos jovens homens das cafeterias do Brooklin, minha nova barriga roçando a ponta nas orelhas deles. Desculpe, desculpe! Todo mundo se vira e vê meu conspícuo corpo. Sou uma estranha que está grávida. Sob esse aspecto, faço mais sentido para eles do que para mim mesma.” Esse é um trecho do relato da jornalista Meaghan O’Connell, autora do livro Embaraçada. Na obra, essa jovem mãe pontua a narrativa com ironia refinada para questionar as “maravilhas” da maternidade; fala de forma honesta sobre as tensões entre a idealização cultural e a real experiência emocional e corporal de ser mãe.
Acho o tema oportuno para esse mês, às vésperas do Dia das Mães.
Ser mãe: um conto de fadas?
A experiência de ter um filho é um verdadeiro idílio, correto? Uma história maravilhosa que começa com a descoberta da gravidez; a futura mãe se emociona e prepara sapatinhos de bebê para surpreender o pai. O parto humanizado – a escolha certa para essa trajetória de encantamento –, contará com uma emocionante sessão de fotos. Por fim, o cotidiano da maternidade traz a certeza de que a amamentação é um processo natural e fácil; a rápida adaptação do bebê à casa; a transformação tranquila de um casal para uma linda família. Um conto de fadas! Hum… não é bem assim, né?
Hoje, estamos conectadas com algumas reflexões singulares do feminismo do século XXI – sobretudo do papel das mulheres no processo de apoiar outras mulheres, incentivando-as a expor todos os lados da vivência. Sororidade implica na empatia e na busca por representatividade. E Meaghan representa uma legião de jovens mães que – a despeito de todo o romantismo e idealização em torno da maternidade – se depara com a realidade de ser mãe: a dúvida, a tristeza, a sensação de não estar pronta, a dor física e emocional, o medo da morte do bebê, a incompreensão do marido… uma lista infindável.
Na minha opinião, debater esse tema mostra que, mediante a maternidade, as mulheres têm direito de reagir, cada uma ao seu modo, a experiências profundamente transformadoras de ser mãe.
Afinal, acredito que o autoconhecimento é peça fundamental para essa liberdade de abordar temas que durante muitos anos foram proibidos. Falar sobre maternidade do ponto de vista dos enormes desafios, sacrifícios, dúvidas e medos? Parecia inimaginável há alguns anos. Mas, chega de silêncios! Vamos ler, debater e nos apoiar.
| Por Lu Magalhães, presidente da Primavera Editorial