A assustadora velhice feminina
Por que temos tanta vergonha de envelhecer? Se só acontece porque estamos vivos, deveria ser celebrado e não escondido. Mas quão generosa é a sociedade quando se trata de envelhecimento feminino?
Lembro bem do dia que encontrei meu primeiro fio de cabelo branco. Estava organizando a festa de aniversário de 90 anos da minha avó e lá estava ele, apareceu sem convite. Sou muito nova para ter cabelo branco, pensei com meus 23 anos. Nesse dia, eu chorei porque me vi com medo de envelhecer. Chorei porque sei o quanto a sociedade pode ser cruel com uma mulher sem juventude.
Um homem com fios brancos é um grisalho charmoso, um William Bonner. Uma mulher com raiz branca é uma velha descuidada. George Clooney, com 57 anos, é comparado a um bom vinho: “só melhora com o tempo”. Destaca-se no meio publicitário como galã sofisticado, paquerado por belíssimas mulheres nas telinhas. Todas mais jovens, de pele lisa e, claro, sem cabelos brancos.
“Você está ótima para sua idade”. Quem nunca escutou isso como um elogio, vai por mim, ainda vai escutar. Aos olhos da sociedade, existe um padrão que as mulheres precisam preencher para estarem “ótimas”. Mostrar marcas da idade é um desvio desse padrão, é considerado feio, ruim. Em 1996, a atriz Isabella Rossellini foi demitida da Lancôme, aos 42 anos, por ser considerada velha demais. Naquela idade, já não representava mais o público da marca. Os conselheiros, na época, a abordaram dizendo que a “publicidade representa os sonhos das mulheres, não a realidade. As mulheres sonham em parecer jovens e você não representa mais este sonho”.
A mídia e a publicidade têm grande influência nisso ao estampar em anúncios, capas de revista e protagonismos de cinema e TV, um padrão de beleza altíssimo para se alcançar, mexendo com a autoestima feminina diariamente. Nós, mulheres, crescemos com medo de envelhecer e se, por acaso, quando não alcançarmos mais o padrão que esperam de nós, sentiremos vergonha.
Depois que achei meu primeiro fio branco, ouvi de um dermatologista em uma consulta: “cuidado, aos 30 anos é como se a mulher entrasse num caminhão pesado e descesse sem freio em uma ladeira. Tem que se cuidar já”. O que significa “me cuidar já”? Eu sempre uso protetor solar para evitar doenças relacionadas aos raios UV, mas isso não é suficiente para frear o caminhão? Já não basta zelar por minha saúde? Se eu não “me cuidar já”, o que vai acontecer? Vou aparecer com marcas da idade que acompanham meu crescimento, minhas vivências, meu tempo na Terra. E daí?
Em 2016, aos 64 anos, Rossellini recebeu uma ligação da Lancôme. Em uma reunião presencial em Paris com a diretora geral da marca, Françoise Lehmann, ouviu “Nós errámos e queremos corrigir nosso erro publicamente. Achamos que as mulheres não querem apenas parecer novas, queremos passar uma mensagem de inclusão”. Isabella foi demitida por homens e recontratada por uma mulher. E isso disse muito sobre as mudanças na indústria e no posicionamento das marcas. Se é um movimento movido por interesses comerciais, não tem problema. Pelo menos estamos presenciando uma mudança no público, que tira a juventude como conceito único de beleza.
Hoje, aos 30 anos, olho no espelho e reparo minhas marcas e linhas de expressão não tão aparentes até o ano passado. Olho fotos antigas e volta e meia me flagro pensando “nossa, como estou velha”. Ora, eu tenho 30 anos! TRINTA. Ainda tenho tanto pra viver pela frente, mas a vida deixa suas marcas, suas histórias e lembranças. E… tudo bem! Que venham muitas, até os cem.
Mudar a forma que pensamos sobre envelhecer começa pela forma que falamos sobre envelhecimento. Meu manifesto nesse texto é tentar estimular que sejamos mais carinhosas com as marcas que o tempo deixa em nós; que saibamos valorizar e apreciar uma capa de revista ou publicidade com uma mulher mais velha; que a gente aprenda a elogiar mulheres pelas suas conquistas e não só por sua aparência. Juntas, vamos nos libertar dessa prisão da juventude eterna que nos colocamos e tornemos esse processo de envelhecimento mais bonito e mais leve para todas nós.
Ana Maria Sbardella
Jornalista