Os desafios das mulheres negras do Brasil
“Nunca uso chinelo”. “Estou sempre bem arrumada”. “Visto roupas básicas para não chamar atenção desnecessária”. “Não abro a bolsa dentro de lojas”. “Deixo itens que vou levar bem visíveis”. “Nunca ando com capuz nem com as mãos no bolso”. “Quase nunca entro somente ‘para dar uma olhadinha’.” “Em uma loja, fico no meio do corredor para que vejam o que estou fazendo”. “Evito trocar olhares. Essas frases soltas têm em comum suas autoras: mulheres negras. São depoimentos reunidos na reportagem Racismo: 8 cuidados que mulheres negras tomam que os brancos nem imaginam. Os relatos compõem a face mais corriqueira de um racismo institucional, profundamente arraigado no cotidiano brasileiro. É notório que as mulheres enfrentam desafios enormes – que são ainda maiores entre as negras.
Nesse contexto, ações afirmativas são essenciais. O Mulheres Negras Rumo a um planeta 50-50 em 2030 – iniciativa da ONU Mulheres em parceria com ativistas sociais – responde a esse cenário desolador. No Brasil, temos 25% da população formada por mulheres negras; o equivalente a 55,6 milhões de pessoas que integram, sobretudo, a base da pirâmide populacional do país. O cotidiano dessas mulheres é permeado por desafios para acessar serviços públicos de saúde, educação, transporte e seguridade social – além de estarem mais expostas à violência. Elas são maioria entre as assassinadas. A ação da Organização das Nações Unidas quer combater a disparidade de oportunidades entre homens e mulheres; dar visibilidade a ações de igualdade de gênero e enfrentamento do racismo.
O Dia Nacional da Consciência Negra – em 20 de novembro de 2018 – acontece em um ano dos 130 anos da abolição da escravatura no país. Longe de celebração, essa efeméride deve ser motivo de reflexão sobre onde chegamos em mais de um século. Parece-me, ao ouvir o relato das mulheres negras, que pouco avançamos. Dias desses, li sobre Adelina – filha bastarda e escrava do próprio pai. Criada na casa grande, ela aprendeu a ler e escrever; trabalhando nas ruas, assistia a discursos de abolicionistas de São Luís, no Maranhão, e decidiu se envolver na causa da abolição. Pouco se sabe sobre essa heroína (datas de nascimento e morte), mas – de acordo com o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, de Clóvis Moura – Adelina atuava como espiã e enviava à Associação Clube dos Mortos informações que conseguia sobre as ações policiais e estratégias dos senhores de escravos. O tal clube, escondia escravos e promovia fugas.
Maria Firmina dos Reis – negra livre e abolicionista – é autora do primeiro romance abolicionista do Brasil. Publicado em 1859, a obra Úrsula conta a história de um triângulo amoroso, cujos três personagens são negros e questionam o sistema escravocrata. Essa extraordinária escritora e professora, criou uma escola gratuita e mista para crianças pobres, no Maranhão.
Imagino encontrar, em um espaço-tempo hipotético, Adelina e Maria Firmina. E, quando me perguntassem onde as mulheres negras chegaram… eu, com um profundo pesar, apenas responderia:
– A luta que vocês começaram ainda continua.
Lu Magalhães
Presidente da Primavera Editorial