Séries da Netflix “roubam” leitores
Comportamento
Empresa de mídia mais valiosa do mundo – chegou a valer US$ 153 bilhões em maio, superando a Disney –, a Netflix se tornou um oponente de peso ao hábito da leitura. Parece absurdo, não? Entretanto, essa é a mais pura verdade. Uma pesquisa conduzida em maio de 2018 pela Associação de Editores e Livreiros da Alemanha aponta que de 2013 para 2017, o número de pessoas que compraram livros no país caiu 18%. De acordo com Alexander Skipis, executivo da organização, as séries dignas de maratona, sobretudo, estão atraindo muita gente para os serviços de streaming e “roubando” o tempo dedicado à leitura.
No grupo que dedica mais de três horas ao dia à leitura – pessoas entre 20 anos e 50 anos – a queda sobe de 24% para 37%. Se considerarmos o tempo dedicado às redes sociais, ao trabalho e às séries, naturalmente, sobra pouco tempo para a leitura.
Por que será que as séries “roubam” leitores de diferentes faixas etárias? Será que, entre os mais jovens, essa migração está associada à facilidade de entendimento, massificação de opinião ou entretenimento fácil? Sabemos o quanto a leitura é desafiadora. Um livro nos desafia do momento da compra – a escolha de um título envolve uma série de decisões – até o exercício solitário de ler e entender nuances de uma narrativa.
Em um artigo anterior, comentei a pesquisa do Instituto Paulo Montenegro e ONG Ação Educativa que aponta que, no Brasil, apenas 8% das pessoas em idade adulta têm plenas condições de compreender e se expressar; estão no chamado nível proficiente: o mais avançado estágio de alfabetismo. Um outro estudo mostra que em cada 10 profissionais em cargo de chefia, quatro não dominam a escrita e a leitura. Em suma, poucos de nós entendem a diferença entre ironia e opinião; poucos de nós são leitores conscientes e plenos.
Tais habilidades são conquistadas com a leitura. A medida que substituímos a leitura por séries, perdemos a possibilidade de nos tornarmos pessoas críticas; seres humanos com opiniões próprias e menos manipuláveis. De acordo com a neurociência, a leitura é um dos melhores exercícios possíveis para manter o cérebro e as capacidades mentais em forma; a leitura ativa o hemisfério esquerdo do cérebro – responsável pela linguagem e mais dotado de capacidades analíticas. Em janeiro de 2018, o jornal El País publicou o artigo de Ignacio Morgado Bernal, diretor do Instituto de Neurociências da Universidade Autônoma de Barcelona, sobre Razões científicas para ler mais do que lemos. Recomendo, firmemente, a leitura.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/11/cultura/1484155657_662258.html
– Lu Magalhães, presidente da Primavera Editorial