
Relação tóxica em família e ficção: quando um livro nos explica a realidade
Na contemporaneidade, estamos bastante acostumadas a falar sobre relações tóxicas – e o quanto elas impedem o crescimento feminino. Entretanto, há um nível de toxicidade que alcança patamares mais complexos: a relação tóxica dentro de casa, ou seja, em família.
Recentemente li uma matéria no jornal O Estado de S. Paulo sobre a temática; a reportagem trazia a informação, inclusive, de um grupo no Facebook com mais de 36,6 mil membros! Entre os integrantes, cerca de 90% são filhos de pais tóxicos ou narcisistas – como classificados pelos filhos –; os demais 10% são compostos por irmãos e cônjuges (na maioria, maridos que tentam manipular as mulheres).
Os especialistas ouvidos na reportagem trazem dois alertas que, na minha opinião, são muito relevantes. O primeiro é que as relações conflituosas não são sinônimo de toxicidade. O segundo é sobre o alto grau de estresse gerado pelo convívio com uma pessoa tóxica ou abusiva, membro da nossa família. Esse aspecto do trauma me fez lembrar um livro que publicamos na Primavera Editorial: Nem tudo tem que ser seu, de Jami Attenberg. E, por que pensar em um romance ao ler sobre esse assunto? Porque acredito, profundamente, que a literatura pode nos ajudar a enxergar com mais clareza. Um texto com profundidade nos auxilia a olhar para situações nebulosas da vida real que não entendemos, mas que com o apoio da ficção, passamos a enxergar mais claramente.
Essa obra traz uma compreensão profundamente humana de personagens complexos, que formam uma família disfuncional. Figurando na lista de melhores títulos lançados na temporada de 2020 – em publicações como People, Vogue, EW, New York Post, Observer e BuzzFeed –, Nem tudo tem que ser seu é uma exploração oportuna e penetrante do que significa ser pego na teia de um homem tóxico. A autora mostra como um relacionamento abusivo pode envolver gerações e aborda o que é preciso para se libertar.
Anos depois de ler, ainda sou capaz de me lembrar de uma frase emblemática já no começo do livro: “Se eu sei o porquê de ele ser do jeito que é, talvez eu possa entender o porquê de eu ser do jeito que sou”. Essa elaboração é da personagem Alex, uma advogada cabeça-dura, mãe amorosa e filha de Victor Tuchman – incorporador imobiliário sedento por poder. Com Victor no leito de morte, ela sente que pode, finalmente, descobrir os segredos do pai. Ela viaja para Nova Orleans para estar com a família e, principalmente, para interrogar a mãe, Barbra, que se defende das perguntas incansáveis de Alex e reflete sobre a vida tumultuada com Victor. Enquanto isso, Gary – irmão de Alex – está incomunicável, tentando iniciar a carreira no cinema, em Los Angeles. A esposa de Gary, Twyla, está tendo um colapso nervoso, explodindo em choro. A disfunção está no auge. À medida que cada membro da família lida com a história de Victor, eles devem descobrir uma maneira de seguir em frente, um com o outro, por si mesmos e pelo bem de seus filhos.
Esse é um daqueles livros que nos dão muito material para pensar. Uma excelente leitura para compreender sobre a toxicidade de relações familiares e a complexidade que esse tipo de situação apresenta.