O ano é 2019 e ainda temos que ressaltar que Não é Não!
É Carnaval. Uma pessoa está interessada em você. Ele agarra o seu braço e tenta beijar a sua boca. Você diz não, mas ela continua a tentar, com mais força, enquanto você se esforça para impedir. Se você é uma mulher no Brasil, provavelmente já passou por essa situação em algum momento da sua vida – às vezes ainda bem cedo; e muito mais vezes do que a gente gostaria de lembrar.
Se você é uma mulher que gosta de carnaval, é ainda mais provável. Foi uma situação como essa que fez um grupo de mulheres criar, em janeiro de 2017, uma campanha para dizer o óbvio: Não é Não!
Não é não! – a campanha que mobilizou o Brasil
Financiada coletivamente, a campanha Não é Não arrecadou quase R$ 3.000 em 48h e distribuiu 4.000 tatuagens temporárias com os dizeres durante o carnaval carioca. No ano seguinte, foram mais de R$ 20.000, quase sete vezes o valor do ano anterior.
A campanha foi levada a outras cinco cidades: São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Olinda. O plano é que, neste carnaval, Salvador, Belém, Curitiba e Brasília também recebam tatuagens – para isso, já arrecadou cerca de R$ 70.000.
Os números crescentes provam a pertinência do tema. Em 2017, a Central de Atendimento à Mulher (180) realizou mais de dois mil atendimentos durante os quatro dias de carnaval – 1.136 denúncias de violência física e 109 de violência sexual (o dobro do ano anterior).
A necessidade de autopreservação durante a “festa da carne” fez também nascer uma série de blocos exclusivos de mulheres na cidade do Rio de Janeiro, onde só elas tocam também. São eles: Toco-Xona, Calcinhas Bélicas, Bloconcé, Maria Vem Com As Outras, muitas iniciativas de foliãs convictas que tocam instrumentos diversos, daí o desejo e a necessidade de criar um espaço seguro.
Renata Salles faz parte d’O Rebu, banda-bloco de mulheres lésbicas que surge, em 2017, da inquietação de ver os blocos “tomados por homens”, gays e heterossexuais. O bloco saiu pela primeira vez no carnaval de 2018 e houve uma situação de assédio na ocasião: um agressor passou a mão na bunda de uma menina do bloco. Ela, imediatamente, o expôs e foi acolhida pelos presentes, que sugeriram ao rapaz se retirar do local. “Ele saiu com o rabo entre as pernas”, conta Renata.
Não é não – como as foliãs garantem sua segurança na festa.
Essa é a diferença de um espaço seguro, a certeza de que você não está sozinha. “Nossa maior preocupação é a segurança das mulheres, principalmente das mulheres que gostam de mulheres”, afirma. Para garantir isso, elas divulgam o horário e local da apresentação do bloco no mesmo dia, “para que não apareçam muitos homens”.
O Rebu é também um bloco político e faz ações durante o ano para discutir as pautas feministas, como a apresentação no dia 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. “Nós brincamos, mas falamos sério também, porque sabemos que estamos morrendo”, lembra a jovem. Alguns grupos mais antigos, como o Baque Mulher, que nasceu em Recife, ou o Mulheres Rodadas, que tem homens em sua composição, também se envolvem em ações feministas durante todo o ano. O Baque Mulher já fez campanhas pela legalização do aborto, contra a intolerância religiosa e para incentivar a doação de sangue, com a frase “Meu tambor dá sangue!”.
É escandaloso que, em 2019, ainda tenhamos que pensar em “criar espaços seguros” para mulheres. É aviltante que ainda existam pessoas afirmando que mulheres são assediadas durante o carnaval por qualquer atitude que elas tomem durante esta festa – sua vestimenta, sua simpatia, seu desejo de viver livremente. É violento ainda ter que dizer que não é não. Apesar de tudo, é de aquecer os corações ver tanto movimento de união e acolhimento entre mulheres, especialmente neste momento político, em que mais do que nunca nossos corpos são resistência.
Ei, meninos, precisam de ajuda?
Se você ainda não sabe muito bem o que é consentimento, fica aqui um vídeo que pode te ajudar a entender:
Se você quer dicas mais diretas sobre como não assediar as meninas, olha isso aqui:
Marília Gonçalves, jornalista.