Sobre o filme Roma – e a força das mulheres
Dirigido, escrito, produzido, fotografado e montado por Alfonso Cuarón – mesmo diretor de Gravidade, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban –, Roma é um filme que merece toda a atenção e burburinho que está tendo. Cuidado, esse artigo contém alguns spoilers sobre o filme Roma.
A história é um retalho das memórias de Cuáron, uma homenagem à sua babá na infância – a Libo – personificada por Cleo. Essas memórias, no entanto, não são fatos estrondosos e permeados por adrenalina, mas pequenas situações cotidianas, que, retratadas ali, em preto e branco, transbordam de um significado que muitas vezes, na correria do dia a dia desconsideramos.
Roma é um filme contemplativo, que merece atenção plena (mesmo que seja para ser visto dentro da sua casa, na sua sala ou quarto), e que demora para dizer a que veio. Talvez nem diga, talvez sua existência se basta, assim como Cleo, uma das personagens que mais me tocou no filme Roma.
Um filme sobre mulheres
Roma consegue abordar questões políticas e culturais do México ao mesmo tempo que traça as rupturas dos personagens, mas todo esse entendimento está em um subtexto, já que o que Cuáron pretende é retratar, da forma mais fiel possível, suas lembranças; e estas são, sim, envoltas em contextos sociais e políticos.
Cleo, por exemplo, é uma extensão da família. Vemos que ela participa do lazer familiar, como a viagem ou até mesmo assistir televisão. No entanto, está sempre na condição de subjugada. O afeto existe, mas a hierarquia social, o sistema, se mantém em toda a obra.
A atriz (Yalitza Aparicio) é sensacional em conseguir expressar sem tantas falas seu sentimento, mostrando uma internalização que transborda em suas expressões.
O que mais me chamou a atenção no filme foi a força das duas personagens principais. Cleo se anula por aquela família, e isso é de forma quase poética, porque não me parece que ela tenha questionamentos quanto a seu papel – “é assim e pronto”, fato que também enfatiza as condições sociais das mulheres no México.
Em Roma, no entanto, vemos que ela não é invisível, mas que tem um significado muito importante – seja pela manutenção da rotina ou afeto – àquela família. Quando chega o momento ápice do filme, notamos que sua força é peça-chave para a continuidade das relações.
As personagens femininas do filme Roma
Sofia, que cresce ao longo do filme, passa por um processo de divórcio e, que causa a ruptura na personagem. Esse abandono, a nova solidão que se impõe, aproxima Sofia de Cleo, sempre mantendo a relação empregador-empregada, mas nota-se que há, sim, um reconhecimento, tão diferentes entre si, ambas passam por dificuldades semelhantes. Em determinado momento, Sofia chega bêbada em casa e diz a Cleo “Não importa o que digam a você, nós estamos sempre sozinhas”.
A solidão é realidade de muitas mulheres ainda hoje em dia. O abandono não é algo da indústria cinematográfica, é algo cru, que machuca, fere e mata. E é por isso, por histórias como as de Cleo e Sofia, que temos que nos apoiar, tirando da invisibilidade aquelas que têm muito a contar e transformando essa solidão em uma corrente e de gentilezas puras e reais.
Curiosidades sobre o filme Roma:
- Cuáron não entregou todo o roteiro antes aos atores. Ele queria que eles interagissem com a cena, de forma a tornar tudo mais real. Por isso a cena do parto é tão real, a atriz não sabia tudo o que aconteceria.
- O título não tem relação com a Itália, embora tenha lido que o filme segue uma metodologia neorrealista italiana das décadas de 40-50. O título é o nome do bairro onde a família morava.
- A escolha pelo preto e branco não foi justificada por Cuáron (que pouco diz sobre seus filmes, sempre incentiva as ideias e suposições), no entanto, o preto e branco tira o significado que as cores e tonalidades trazem, deixando o entendimento nas expressões, falas e jogos de câmera. Além disso, traz a sensação de estar vendo uma fita antiga da vida daquela família.
Larissa Caldin, publisher da primavera editorial