As antigas formas de preconceito e os novos antídotos para combatê-lo
Fomos surpreendidas, na semana passada, com a esdrúxula notícia de que Valéria Lúcia dos Santos havia sido algemada por policiais no Rio de Janeiro durante uma audiência no 3º Juizado Cível de Duque de Caxias; a advogada representava os interesses de uma cliente – igualmente negra e pobre – em uma ação envolvendo direito do consumidor. Não vou detalhar a história de violação dos Direitos Humanos, pois acredito que os detalhes sórdidos tenham sido amplamente divulgados. Entretanto, gostaria de ressaltar a frase proferida por Valéria à Folha de S.Paulo. “Eu sento na cadeira do advogado e os juízes perguntam: a senhora é o quê?”.
Li a entrevista com Valéria Lúcia – O Estado é racista, mas se falo isso é mimimi”, diz advogada – quando estava finalizando os detalhes do contrato com Yomi Adegoke e Elizabeth Uviebinené para a publicação de Slay in Your Lane. Essa obra de sucesso no Reino Unido tem o emblemático subtítulo The Black Girl Bible que, em livre tradução, significa “Bíblia da garota negra”. Coincidência? Claro que não! Na jornada da Primavera Editorial, temos falado muito em representatividade. Por que esses juízes precisam perguntar a uma garota negra o que ela está fazendo na cadeira do advogado? Porque falta a eles repertório de uma sociedade na qual as mulheres negras são bem preparadas intelectualmente; assumem postos de comando; lideram a própria vida. Para trazer esse repertório à sociedade, temos que dar visibilidade às histórias de mulheres; estou convencida de que esse é um antídoto poderoso contra o veneno do preconceito.
Com a Bíblia da Garota Negra queremos dar uma contribuição real. Além das trajetórias de vida das autoras, o livro conta com entrevistas com dezenas de mulheres negras bem-sucedidas na Grã-Bretanha, incluindo Amma Asante, atriz, roteirista e diretora premiada com o BAFTA de Cinema; Vanessa Kingori, diretora de redação da British Vogue; e Denise Lewis, que conquistou a medalha de ouro na Olímpiada de Sidney, em 2000, no heptatlo.
Segundo Yomi, jornalista e uma das autoras, as mulheres negras fazem muito sucesso e, atualmente, estão criando um verdadeiro tsunami feminista. Ela contou: “Destacamos a atuação de mulheres que se parecem conosco, crescem em lugares semelhantes, falam como nós e inovam em todos os setores da sociedade”. Da educação ao namoro, o livro inspira ao trazer relatos honestos que celebram os avanços das mulheres negras. Ao mesmo tempo, traz conselhos práticos para as garotas que querem fazer o mesmo e criar um futuro melhor e visível.
Sem dúvida, o livro fala sobre representatividade feminina. Sempre me surpreendo com a hesitação feminina, com o imenso número de mulheres que acredita ser menos capaz do que os homens. Muitas de nós duvidam da própria capacidade! É claro que historicamente há explicações para isso. Mas, os fatos podem explicar, mas não justificar. De forma alguma devemos nos conformar. E vejo que entre as mulheres negras essa questão é mais forte. Isso é reflexo da falta de representatividade. Como fortalecer a autoestima e identidade sem inspiração e exemplos de mulheres que chegaram lá à despeito de todas as dificuldades e preconceitos? Esse livro mostra exatamente a trajetória de mulheres fortes, independentes e inconformadas; mulheres brilhantes que estão mudando o mundo. Embora seja um livro escrito por britânicas, a inspiração não tem fronteiras geográficas e pode, muito bem, gerar frutos no Brasil.
Por fim, acredito fortemente no poder da informação; na disseminação de conhecimento inspirador. É nesse contexto que a Primavera Editorial se insere ao ter como missão o fortalecimento da emancipação social da mulher por meio da leitura. A leitura gera conhecimento, provoca reflexões e modifica a posição intelectual, profissional e social.
Lu Magalhães
Presidente da Primavera Editorial