Gordofobia e a ditadura dos corpos perfeitos
Comportamento | Novas formas de ler o mundo
“Nós perguntamos por que ela desistiria de algo com que se importava tanto. Ela nos disse que realmente queria um relacionamento e uma família com um homem, e que isso sempre fora um problema devido ao fato de ela ter um metro e oitenta de altura. Agora que se aproximava dos trinta anos, estava entrando em pânico. Tentara se relacionar, mas descobriu que a combinação de sua altura com o seu nível de educação atuara como um ‘golpe duplo’. Ela havia chegado à conclusão de que, embora não pudesse mudar a sua altura, podia fazer algo quanto a ter ou não um doutorado.” Meu Corpo, Minhas Medidas
A leitora da Primavera Editorial sabe que defendemos a emancipação feminina por meio da leitura. Não qualquer leitura, mas a que gera conhecimento, provoca reflexões e modifica a posição intelectual, profissional e social. E, o tema dessa semana é um livro que me causou um imenso desconforto. Dizem que as melhores leituras nos tiram os pés do chão, né? Acredito que estou falando exatamente do contrário! Meu Corpo, Minhas Medidas, livro da norte-americana Virgie Tovar, coloca os nossos pés de volta ao chão. Prepare-se para um solo bem duro e cruel. Pela frase de abertura desse artigo você deve achar que não se trata de uma leitura fácil, não é?
Mais um engano! O livro é uma delícia. Uma leitura intrigante e franca; reflexiva e alinhada com o espírito do nosso tempo. Virgie é uma garota que fez dietas e regimes malucos por vinte anos. Crescendo como uma garota gorda, acreditava que o corpo precisava ser melhorado. Duas décadas dietas e culpas constantes foram substituídas pela liberdade de confiar no próprio corpo. Grande parte dessa saga – de como conseguiu virar a chave – está nessa obra que, com orgulho, a Primavera Editorial está lançando.
Uma das reflexões interessantes sobre peso está quando a autora diz que o problema é que as mulheres estão com raiva – e que somos treinadas a transformar essa raiva interior em vergonha. A cultura vigente nos ensina que precisamos perder peso por qualquer meio necessário, reduzindo as mulheres a meros corpos que estão (ou não) em conformidade com os padrões definidos externamente. Muitas mulheres gordas e magras acreditam que o corpo “em forma” é a única moeda de troca que têm para conseguir o amor.
A gordofobia é, na visão de Virgie Tovar, a nova forma do classismo e do racismo. Não é gratuito o fato de que as pessoas gordas são sub-representadas no local de trabalho, academicamente ou nas mídias de massa. Quando visíveis, o retrato é de que são pessoas não inteligentes; carentes em graça ou complexidade; inerentemente divertidas; abjetos e sexualmente insaciáveis; ou indesejáveis. Com a vivência de uma mulher de 113 quilos em um mundo gordofóbico, essa gordoativista feminista nos faz pensar e atuar para a construção de uma sociedade mais equânime.
E, de uma forma ou de outra, está acontecendo. No início deste ano, a Netflix lançou a Insatiable que, ao contrário de muitas outras do catálogo, tornou-se o conteúdo original com a pior avaliação da plataforma. A série, estrelada por Debby Ryan, conta a estória de Patty – garota gorda que sofre bullying na escola justamente por conta do peso. Quando leva um soco e tem a mandíbula quebrada, ela passa a seguir uma dieta à base de líquidos e perde, ao longo de três meses, muitos quilos. Ao retornar ao colégio, magra e “linda”, busca vingança. Na prática, um roteiro que reforça preconceitos e incentiva a gordofobia. Eis que a série obteve apenas 6% de aprovação da crítica.
Confesso que, ao ler a notícia na Exame, fiquei imensamente feliz! Como Virgie Tovar, também estou faminta por um mundo onde os corpos são valorizados igualmente.
Lu Magalhães
Presidente da Primavera Editorial