Somos as netas de todas as bruxas que não conseguiram queimar
De acordo com o Houaiss (edição on-line), as primeiras quatro definições para “bruxa” são:
1 oct mulher que tem fama de se utilizar de supostas forças sobrenaturais para causar malefício, perscrutar o futuro e fazer sortilégios; feiticeira
2 p.ext. mulher muito velha e feia
3 p.ext. mulher azeda e mal-humorada
4 p.ext. qualquer mulher de quem não se goste
Bruxa, portanto, é vinculado ao corpo de uma mulher, com características físicas “feias” e que tem, muitas vezes, poderes sobrenaturais. Mas você sabe o que seriam esses poderes sobrenaturais que fizeram milhares de mulheres – alguns historiadores estimam mais de 100 mil – serem queimadas vivas entre os séculos 15 e 17?
Esses “poderes mágicos”, na verdade, podem ser traduzidos por inteligência. A maior parte das julgadas como bruxas era mulheres que tinham conhecimento de utilização de plantas para fins medicinais, parteiras, enfermeiras e assistentes. Essas mulheres começaram, então, a representar uma ameaça aos homens devido a sua sabedoria, e, com a finalidade de manter a soberania masculina e o patriarcado, em 1320 a Igreja Católica oficializou a caça às bruxas, criando, com a ajuda do Estado, os Tribunais de Inquisição.
Todo discurso “científico” da época estava impregnado do estigma, no qual a mulher era um ser inferior, e isto vinha ao encontro do discurso religioso. A medicina, neste momento, se firma como uma instituição masculina, que advoga o monopólio do saber e o do curar. Defende assim a perseguição da prática feminina de manusear ervas e atender aos partes (FREIRE, SOBRINHO, 2016).
As denunciadas e presas no tribunal tinham que confessar a sua ligação com seitas e processos de feitiçaria para, então, serem condenadas. Para conseguir a confissão, as mulheres eram torturadas: objetos as perfuravam – com a justificativa de achar alguma parte indolor no corpo, que estivesse tocada pelo “demônio” –; raspavam todos os pelos do corpo em busca de marcas satânicas (verrugas e sardas!); e cortavam os seios – esse sem justificativa mesmo.
O fato é que muitas acabavam enlouquecendo, acreditando no discurso criado pela Igreja Católica de que o demônio as possuía e acabavam “confessando”. Essas eram estranguladas antes de serem queimadas. Já as que mantinham-se firmes eram queimadas vivas, muitas vezes com madeira verde, para que o sofrimento durasse mais.
Uma figura conhecida que foi queimada viva pela Inquisição foi Joana d’Arc. Por não admitir que sua visão de mundo era dominada pelo demônio, Joana d’Arc foi, então, considerada uma mulher insubordinada e, portanto, queimada como herege, e não como uma bruxa. Como o rei francês, Carlos VIII, foi coroado devido aos esforços de Joana, 25 anos após o assassinato, seu processo é revisto e ela é considerada inocente – mas não se animem, Carlos VIII não fez isso reconhecendo a importância de Joana d’Arc para seu reinado, mas apenas para não vincular seu governo à imagem de uma herege.
Talvez, a definição de “bruxa” que mais me impressione no Houaiss é a “de alguém que não se goste”. Isso porque, no mundo atual, séculos depois, ainda existe um pensamento de superioridade masculina que se sente ameaçado frente ao avanço feminino rumo à igualdade de gênero. Mas isso está mudando… Hoje, podemos ser médicas, parteiras e enfermeiras! E se isso te assustar, evolua, porque “nós somos as netas das bruxas que não conseguiram queimar”.
FREIRE, Maria; SOBRINHO, Gilmar. A figura feminina no contexto da Inquisição. Revista de Educação, v. 1, n. 1, pp.53-58, 2016.
ANGELIN, Rosangela. Caça às bruxas. Disponível em: < https://espacoacademico.wordpress.com/2012/08/04/a-caca-as-bruxas-uma-interpretacao-feminista/> Acesso em: 31 out. 2018
Larissa Caldin|
Publisher da primavera editorial