Antes que a realidade esmague a esperança
Por Edison Rodrigues Filho, autor de O Tocaio.
Mais de vinte anos se passaram e a carreira de escritor de Flávio Moretto, o Tocaio, encontra-se numa encruzilhada, como se um vazio tenebroso enchesse sua mente num bloqueio criativo aparentemente insuperável. É como se sua capacidade de inventar tramas tivesse sido esmagada pela realidade brasileira, que supera qualquer mente prodigiosa de um ficcionista. Apenas citando os escândalos de corrupção, em desvios de valores corrigidos e em ordem crescente, ocorridos desde a derrubada do presidente Fernando Collor – Máfia dos fiscais (R$ 18 milhões), Mensalão (R$ 55 milhões), Sanguessuga (R$ 140 milhões), Sudam (R$ 214 milhões), Operação Navalha (R$ 610 milhões), Anões do Orçamento (R$ 800 milhões), TRT de São Paulo (R$ 923 milhões), Banco Marka (R$ 1,8 bilhão), Vampiros da Saúde (R$ 2,4 bilhões), Banestado (R$ 42 bilhões), isso sem falar em dinheiro apreendido em malas, cuecas e afins, cartões corporativos e pedaladas fiscais – ainda há quem diga ser esse um país pobre. Estes fatos deixam qualquer escritor constrangido em criar histórias sujas e demagógicas.
Tendo vivenciado de perto esses acontecimentos, esperado pela ação da justiça sobre réus confessos, políticos coniventes, seus assessores e comparsas descarados, Tocaio se encontra agora diante do pai de todos os escândalos, o maior desvio deste lúgubre histórico, bilhões de reais (calcula-se mais de 60) da maior empresa brasileira, a Petrobrás, símbolo de um país que sonhava grande ao tomar para si uma de suas maiores riquezas naturais, o petróleo.
Ao se falar abertamente em impeachment de Dilma Roussef, Tocaio se depara de novo com uma situação vivida há pouco mais de duas décadas – os indignados e descontentes na rua, pedindo uma solução imediata, a retirada da presidente pura e simplesmente do cargo. Mas, se no passado e por muito menos, essa iniciativa foi adotada e, nem por isso, surtiu o efeito desejado, teria eficácia novamente esse amargo remédio político? Que novo personagem, ou messias, viria ocupar o centro do poder? Essa é a maior incógnita com que a visão cansada e desiludida de Tocaio se depara em suas tentativas de escrever uma nova história em meio a tantas e enfadonhas repetições.
Não é que Tocaio tenha perdido a crença num futuro melhor, justo e próspero, ocorre que ele constata tristemente – a crise moral (e nela ele se inclui) só eclode a partir da crise econômica, num pragmatismo raso, rasteiro e insuportável. Presas num ciclo permanente de leniência conveniente, as pessoas fazem vista grossa, vale tudo enquanto têm dinheiro no bolso, facilmente, justificando a falcatrua como um mal menor, a velha máxima do rouba, mas faz. Nesse país em que o importante é levar vantagem na primeira oportunidade que surge, a política é um espelho que reflete a sociedade tal como ela é, e esses valores precisam mudar com urgência, antes que a realidade esmague a esperança.