De cara com o autor: Diogo Salles
O prefácio da obra foi escrito por Eduardo Baptistão, cartunista. Qual a principal diferença entre o cartum e a charge?
Charge é um desenho gráfico sobre temas políticos e culturais da atualidade. É o que você vê no livro “Trágico e cômico”. É um recorte de nossos últimos anos na política. O cartum também é um comentário gráfico, mas não trata de nenhum tema atual. Seus temas não são perecíveis, como na charge. São atemporais. Bons (ótimos) exemplos de cartum você encontra no trabalho do Henfil e do Millôr.
“Trágico e cômico: Os protestos em charges” foi inspirado nas manifestações de 2013, que sacudiram o Brasil. Você sente que algo mudou de lá para cá, após a realização desses eventos?
Tanto as manifestações de 2013 quanto a Copa do Mundo mudaram o Brasil num aspecto: trouxe a população para o debate sobre o país. Trouxe também efeitos colaterais (como radicais, analfabetos políticos e black blocs), mas, a meu ver, o balanço é positivo. As pessoas passaram a perceber que é preciso participar mais das decisões políticas do dia a dia, que nos afetam muito mais do que, por exemplo, o resultado de uma Copa do Mundo ou o final de uma novela. Não que futebol e novela devam sair da vida das pessoas, mas não podem ser prioridades, pois não possuem efeito algum sobre temas como a escola do seu filho, o transporte que você usa para ir ao trabalho ou os preços dos alimentos que você compra.
Um dos pontos fundamentais do livro é a disputa entre partidos de direita e esquerda. Com as eleições se aproximando, você acredita que essa polarização de partidos prejudica a evolução da política brasileira?
Não só prejudica como também representa um enorme desserviço ao país. Em vez de explicar, esclarecer, iluminar, tanto os políticos quanto seus blogueiros-lacaios (retratados no livro) contribuem só para aumentar o ódio, o preconceito e o recalque. E repare como essas figuras passam a maioria de seu tempo atacando “o outro lado”, muito mais do que argumentando em favor de seus ideais. Não há proposta, apenas uma linha de ataque, uma guerra de narrativas e memes, muitas delas desconectadas da realidade. E ao eleitor, esse extremismo não deixa outra opção senão aderir bovinamente a um “lado” ou negar a política completamente e se distanciar do debate. Acho que “Trágico e cômico” pode ser uma leitura interessante a quem quer entrar no debate sem ser enganado pelos discursos obscurantistas dessa gente.
Outro ponto retratado no livro é a Copa do Mundo. Havia grande expectativa quanto a possibilidade de o Brasil se tornar campeão. Será que podemos tirar alguma lição de tudo isso, após “voltarmos para a realidade”? O que podemos esperar dos Jogos Olímpicos de 2016?
Acho que essa Copa foi educativa ao mostrar às pessoas o quanto ficou deturpada a noção de “patriotismo” por aqui. Nesse Mundial, vi pessoas se sentindo mais brasileiras porque xingaram a presidente da República, vaiaram o hino do Chile e fizeram ameaças e insultos racistas ao colombiano que tirou Neymar da copa. Minha esperança é que as pessoas enxerguem que perder uma Copa não é o fim do mundo, assim como vencê-la também não seria o paraíso. Canalizar todas as nossas esperanças, expectativas e frustrações num time de futebol é um erro. Para se ter uma ideia, fui chamado de “antipatriota” nessa Copa porque não torci pela seleção. Para mim, a noção de pátria é uma construção do dia a dia, e não um espasmo ufanista, que se manifesta de quatro em quatro anos. Podemos ser muito mais do que o estereótipo futebolístico-canarvalesco. Já somos, na verdade. Falta apenas enxergar isso. Quanto à Olimpíada, vejo o mesmo acontecendo em relação à Copa. É possível fazer um bom evento maquiando a cidade para receber turistas. O que temos de pensar é quando os turistas forem embora e nossos problemas cotidianos voltarem.