Mulher de verdade: mulher do lar (?)
Uma das minhas “resoluções-sempre-presentes-e-clichês” de ano novo era ler vinte páginas ao dia de uma gramática atualizada. Como trabalho com texto, é importante sempre relembrar as mil e umas regras que nossa gramática normativa nos impõe diariamente.
Cumprindo minhas metas e estudando flexão de gênero pela Moderna Gramática Portuguesa (Evanildo Bechara), deparo-me com o seguinte trecho:
O gênero nas profissões femininas – A presença, cada vez mais acentuada, da mulher nas atividades profissionais que até bem pouco eram exclusivas ou quase exclusivas do homem tem exigido que as línguas – não só o português – adaptem o seu sistema gramatical a estas novas realidades. Já correm vitoriosos faz muito fempo femininos como mestra, professora, médica, advogada, engenheira, psicóloga, filóloga, juíza, entre tantos outros.
Até mesmo quem trabalha com texto diariamente, tornando-se algo tão rotineiro, pode deixar passar o fato de que a língua carrega um espelho da sociedade, que seu uso já revela um pouco do mundo em que se vive.
Pesquisando um pouco mais, descobri um Manual, feito pelo Governo do Rio Grande do Sul, denominado “Manual para uso não sexista da língua”. Embora desatualizado (a publicação é de 2014) e com alguns argumentos que eu, como linguista, discorde, o manual pretende ser uns instigante texto para reflexão acerca dessa temática.
De imediato, a lição que tiro é que não devemos encontrar arbitrariedade. Por mais que nos deparemos diariamente com textos e isso nos faça, às vezes, parar de questionar, uma das primeiras lições que se aprende em uma faculdade de letras é que não existe imparcialidade textual (desculpem-me jornalistas por essa!). A escolha de palavras que você utiliza para um texto “imparcial” já não o torna tão imparcial assim.
As resistências a feminizar uma profissão ou cargo nunca se baseiam em argumentações estritamente linguísticas, porque as resistências não vêm da língua, as línguas costumam serem amplas e generosas, dúcteis e maleáveis, hábeis e em perpétuo trânsito; as travas são ideológicas… (Eulàlia Lledó Cunill, 2002)
Esse trecho nos leva a um outro tema em alta: protagonismo. É necessário tornar a mulher protagonista de sua vida, de suas escolhas e de sua língua. A flexão feminina de gênero para profissões é entender que a mulher tanto exerce como pode exercer, se assim optar.
Para dar exemplos, procurei no Houaiss on-line definição de “homem público”:
homem público (1766)
indivíduo que ocupa um alto cargo do Estado
Agora, pasmem, vamos a definição de “mulher pública”
mulher pública (1489) pej.
prostituta, meretriz
E um plus:
mulher de verdade infrm.
1 obsl. m.q. mulher do lar (no sentido de ‘mãe de família’)
A língua está aí para a mudarmos. Ela é mutável, ampla, flexível, o que precisamos é, como diz Evanildo Bachara, EXIGIR que a língua não nos distancie mais da igualdade, mas que seja uma ferramenta de transformação e protagonismo, pois aquilo que não se nomeia não existe!
Para saber mais:
https://www.scielo.br/pdf/ref/v18n2/13.pdf
https://www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_Manual%20para%20uso%20n%C3%A3o%20sexista%20da%20linguagem.pdf