Proibição do véu islâmico pela Fifa abre debate sobre os direitos femininos (DIA DAS MULHERES)
✓ No dia 3 de março, a Fifa leva a votação – na 126ª Assembleia Geral, em Surrey (Inglaterra) – o debate sobre a utilização do véu islâmico (hijab) pelas atletas muçulmanas. Em 2007, o órgão proibiu qualquer manifestação de fé em campo, mas o tema voltou à baila por um pedido da Confederação Asiática de Futebol que espera que a Fifa reconsidere a posição. Estudiosos do mundo árabe e de esportes, três autores da Primavera Editorial – Luis Eduardo Matta, Gilberto Abrão e Márcio Kroehn – além do ex-jogador e comentarista esportivo Neto, opinam sobre o polêmico tema.
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Ao contrário de modalidades olímpicas como rúgbi e taekwondo, o esporte mais popular do mundo não permite o uso do véu islâmico (hijab) pelas jogadoras muçulmanas. Em 2007, a Fifa proibiu qualquer manifestação de fé em campo, alegando motivos de segurança. Em 2011, as jogadoras da equipe de futebol feminino do Irã não jogaram contra a Jordânia, nas eliminatórias para as Olimpíadas de 2012, porque se recusaram a retirar os véus antes do chute inicial. O episódio encerrou o sonho da seleção de competir em Londres, mesmo depois de uma temporada vitoriosa, na qual o time não perdeu nenhum jogo.
Em uma mistura de política, religião e esporte, o debate abarca questões delicadas como violação dos direitos humanos e das normas internacionais olímpicas; direitos da mulher; e respeito à cultura e crenças religiosas. O tema volta à baila em 3 de março, quando a Fifa retomará o debate na 126ª Assembleia Geral, em Surrey (Inglaterra). Para contribuir com o amplo debate sobre o assunto, a Primavera Editorial ouviu a opinião dos escritores Luis Eduardo Matta e Gilberto Abrão – estudiosos do mundo árabe –; do jornalista Márcio Kroehn, coautor do livro Onde o esporte se reinventa: histórias e bastidores dos 40 anos da Placar; e do ex-jogador e comentarista esportivo Neto, homenageado na obra Eterno Xodó, dos jornalistas Renato Nalesso e Fabricio Bosio.
Neto, apresentador e comentarista da TV Bandeirantes
“Poderia ser polêmico como quase sempre e criticar o uso do véu por jogadoras mulçumanas, mas acredito que esse tipo de situação merece um estudo mais amplo por parte da Fifa. É cultural. A entidade pode, de repente, argumentar que o uso de algum artigo ‘extra’ (além do uniforme habitual) seja contra o regulamento da modalidade. E isso somos obrigados a aceitar. Lembro uma vez, por exemplo, que o Romário foi proibido de usar bandanas na cabeça durante os jogos do Campeonato Carioca. Ele acatou prontamente. Mas não era nada que alteraria a vida do Baixinho. Já um assunto que envolve religião é bem mais delicado. Por isso merece ser aprofundado. Se fosse para opinar, diria que não é legal. Até porque um véu dificultaria a visualização da atleta por parte do árbitro e até da torcida. Mas respeito muito religião e portanto abriria um debate.”
Luis Eduardo Matta, autor do thriller “O véu” (Primavera Editorial)
“Acho válida a decisão de algumas nações europeias de proibir o véu islâmico dentro de suas fronteiras. A meu ver, quando uma pessoa emigra, é ela que deve se adaptar às normas do país que a acolheu; não o contrário. No caso do futebol, porém, a situação é outra. Que as mulheres são vítimas de opressão em vários países muçulmanos, não resta dúvida. A partir do Ocidente secularizado, o hijab é visto como um visível instrumento de opressão, mas na prática isso não é totalmente verdade. Muitas mulheres muçulmanas o usam por opção. A proibição da Fifa é, portanto, um gesto discriminatório com sociedades que não seguem à risca o modelo europeu. Até porque o problema maior não é o véu em si, mas a violência praticada contra a mulher, que ocorre não só nos países islâmicos, mas em boa parte do mundo.”
Gilberto Abrão, autor do livro “Mohamed, o latoeiro” (Primavera Editorial)
Podem ou não as jogadoras muçulmanas usar o véu nos jogos de futebol feminino? A Fifa diz não! Talvez por ser filha da França, tendo como seu fundador o francês Jules Rimet, a Fifa tem normas baseadas no laicismo do Estado francês. Quando proibiu o uso do véu pelas jogadoras muçulmanas, o Irã, onde o uso do véu é compulsório, deixou de participar das competições internacionais. Outros países muçulmanos onde o uso do véu é opcional – Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque e outros – poderão participar. Mas como incluir as jogadoras que são muçulmanas fervorosas? Elas dirão: “ou vamos de véu ou não vamos!” Cria-se, daí, um impasse.
Por todo o embaraço que haveria de se criar, acredito que o bom senso vai prevalecer e a Fifa, graças aos membros asiáticos, haverá de permitir que as jogadoras muçulmanas de qualquer país, até do Brasil (se de repente aparecer uma craque brasileira muçulmana praticante), possam usar o véu. O véu para a mulher muçulmana fiel aos seus preceitos religiosos é muito mais do que um simples símbolo de sua religião. Símbolos religiosos são o crucifixo, a estrela de Davi e, no caso muçulmano, o crescente. O véu ultrapassa de longe os símbolos. Para uma muçulmana praticante, usar o véu é mostrar-se uma mulher recatada e virtuosa; não usá-lo é quase como andar de calcinha e sutiã pelas ruas da cidade. Por fim, deixo aqui uma sugestão para facilitar a vida da Fifa: todas as jogadoras muçulmanas que quiserem usar o véu, este deverá ser da cor do uniforme da equipe. Por exemplo, uma jogadora muçulmana brasileira deverá usar um véu verde-amarelo, uma jogadora americana deverá usar o véu vermelho-branco-azul, com as estrelinhas e assim por diante.
Márcio Kroehn, jornalista e coautor do livro “Onde o esporte se reinventa: histórias e bastidores dos 40 anos da Placar” (Primavera Editorial)
“Se o futebol quer ser o esporte de união dos povos, um dos passos mais importantes é o respeito às diferenças religiosas. A Fifa argumenta que a segurança do jogo ficaria comprometida. Ora, por que o véu representa algum perigo? Perigoso é o monopólio da Fifa sobre o futebol. A entidade parou no tempo há alguns anos e tem feito do jogo uma chatice. Proibir, por exemplo, um jogador de extrapolar a comemoração de um gol – tirando a camisa, correndo em direção à torcida etc – é apagar a razão de ser do futebol. Por que não aceitar uma cultura diferente? É mais um chute na canela dos senhores engravatados responsáveis pelas regras quadradas de bom comportamento nas quatro linhas.”