Sutiã: peça de vestimenta ou ferramenta de shaming?
Sabe aquela sensação de chegar em casa depois de um longo dia e… tirar o sutiã? Bem, se depender da sociedade, até isso pode estar com os dias contados. Afinal de contas, é realmente necessário usar sutiã? Em uma breve pesquisa no Google sobre o seu uso, há uma verdadeira miríade de argumentos a respeito do seu uso. Desde uma suposta influência na flacidez dos seios à melhora da postura feminina, estes diversos pontos de vista, frequentemente disfarçados de “dicas” ou até mesmo conselhos, podem estar mascarando, na verdade, algo que é tão familiar às mulheres quanto aquela sensação de tirar um sutiã: o shaming, termo em inglês usado para o ato de induzir alguém a sentir vergonha de alguma coisa. Afinal de contas, o sutiã é necessário para os seios de quem o veste ou para quem apenas insiste em opinar?
O uso de um suporte têxtil dos seios pode ser observado desde a Grécia Antiga, quando mulheres usavam o chamado apodesmos, que significa “faixa do peito”, e que consistia numa tira de linho ou lã que era amarrado ou preso na parte das costas. Com o passar do tempo, a peça que servia para conter a movimentação excessiva ou o suor formado debaixo dos seios modificou-se – ganhando suportes variados, barbatanas de metal e amarras. Sua função, enfim, cede espaço para valores estéticos: os seios deveriam ser mantidos erguidos, aumentando a ilusão de que seriam maiores, ao mesmo tempo que o tronco fosse mantido ereto e a cintura aparentasse ser reduzida. Figuras encontradas na região de Creta e datadas de 1600 a.c. já exibem mulheres usando peças semelhantes a espartilhos, que serviriam para manter a modéstia e a passividade das mulheres em relação aos homens. Nas mais diversas culturas, o uso de espartilhos era imposto às meninas desde a infância, e carregavam um enorme significado quando, nas noites de núpcias, os noivos fossem encarregados de desamarrá-los vagarosamente, numa demonstração de autocontrole.
Os sutiãs modernos ainda são uma variação destes antigos espartilhos – muitos contam com os mesmos suportes acolchoados e aros de metal, inclusive. Novos desenhos têm funções diversas – unir, elevar, tampar ou aumentar os seios; as escolhas são as mais variadas. Contudo, apesar dos avanços em termos de igualdade de gênero, é a hipersexualização dos seios femininos que ainda impõe sobre as mulheres o uso dos sutiãs, de forma tão sufocante quanto os cadarços de um antigo espartilho: meninas são retiradas de salas de aula por não usarem sutiã – mesmo que suas demais roupas cubram seus seios por completo, como ocorreu com Lizzy Martinez, de 17 anos, numa escola no estado da Flórida, nos Estados Unidos. Lizzy foi levada à diretoria, onde lhe foi solicitado que ela cobrisse seus mamilos com band-aids. Em Vermont, também nos EUA, um grupo de alunas criou um conselho para debater o código de vestimenta de sua escola depois que algumas garotas foram mandadas de volta para casa por usar blusas cujas alças não cobriam as alças de seus sutiãs. Enquanto isso, artigos diversos ressaltam a importância do uso do sutiã para evitar que os seios “caiam”, mesmo que diversos médicos já tenham apontado o contrário – manter os seios comprimidos tende a desgastar a fibra muscular, fazendo com que eles aparentem estar “caídos” mais precocemente, além de potencialmente alterar o formato e a posição dos mamilos. Todos estes argumentos, é claro, acabam mostrando-se versões contemporâneas do que se dizia nas sociedades patriarcais de 1600 a.c.: os seios devem estar sempre contidos em prol do pudor, da modéstia e para que mantenham-se sempre belos… para o momento em que serão, enfim, objeto sexual de um outro indivíduo que não a própria dona dos seios.
A decisão sobre vestir ou não um sutiã cabe exclusivamente à mulher, cis ou transgênero, que fosse dona dos seios em questão. Não há real comprovação médica de que sutiãs comuns sejam efetivamente benéficos em qualquer aspecto da saúde, desde correção postural à prevenção de estrias ou outras condições. Assim como qualquer outra peça de roupa, a intenção sobre o uso de um sutiã deveria envolver apenas aspectos simples: escolhi usá-lo (ou não) por ser (ou não) uma peça bonita, confortável, funcional; no entanto, ainda recai sobre a sociedade o suposto “direito” de avaliar o quanto um sutiã é adequado ou não, independente do que a própria usuária venha a pensar. Como toda peça de roupa, o conforto de quem veste, e não de quem observa, é o essencial fator em questão; cabe, agora, reeducar a sociedade para que o elemento sexual seja efetivamente separado do sutiã enquanto peça de roupa – para que este aspecto seja utilizado única e exclusivamente conforme o desejo de quem usa. Com sutiã ou sem, a escolha é sua!
Patricia Wiese