Uma Tatuagem Como Tratamento?
Técnicas de tatuagens realistas de mamilos ajudam pacientes de câncer de mama na recuperação da autoestima após mastectomias
Nas mais diversas – mas não menos dolorosas – etapas de se sobreviver a um câncer de mama, não é apenas a saúde de uma paciente que passa por uma severa provação: da perda de cabelos às oscilações de peso e alterações na pele, é quase impossível dizer que a autoestima desta paciente não sofra um intenso baque com o diagnóstico. E como se já não bastasse tamanho turbilhão, o procedimento que pode fazer toda a diferença no tratamento de um câncer de mama, a mastectomia – remoção completa do tecido mamário – deixa a talvez mais dura das sequelas: apesar da possibilidade de se reconstruir os seios, é comum às pacientes a perda dos mamilos, substituídos por uma enorme cicatriz. Diante deste cenário desolador, uma categoria inesperada de heróis acabou despontando: tatuadores profissionais desenvolveram técnicas para recriar mamilos tridimensionais em uma tatuagem, ajudando a recuperação não só de uma parte do corpo, bem como da debilitada autoestima das pacientes.
Próteses mamárias são comuns (em seios saudáveis inclusive, diga-se) – mas a perda do mamilo faz toda a diferença; mesmo que a prótese artificial cumpra a sua função de preencher o que foi retirado, os seios – um dos maiores elementos da feminilidade – perdem boa parte de sua identidade, por assim dizer, diante da retirada do mamilo. Esta ausência impacta diretamente a visão que as pacientes têm de si próprias, dando origem a um trauma adicional ao do câncer em si. Como enxergar-se mulher quando algo tão feminino lhes foi retirado? Pacientes relatam não apenas o baque na autoestima, mas dificuldade em olhar-se no espelho, em vestir biquínis e de permitirem-se serem observadas ou tocadas por seus parceiros e parceiras.
Enquanto médicos desenvolvem um substituto para os mamilos em si – uma vez que as próteses atuais são, digamos, difíceis de esconder, já que marcam debaixo das roupas com frequência – as habilidades artísticas dos tatuadores apareceram como aliadas. Mesmo que, ao toque, a tatuagem seja plana, o trabalho de pigmentação cria a ilusão tridimensional de um novo mamilo, devolvendo à paciente o aspecto inicial da pele da auréola. Com a técnica tornando-se cada vez mais popular, algumas pacientes recorrem aos tatuadores antes mesmo da realização da cirurgia, para que se crie um registro do mamilo natural antes da sua devida repigmentação.
De acordo com uma pesquisa recente* reportada pela rede CNN, um outro detalhe chama a atenção: diante do risco do surgimento do câncer, mulheres vêm optando pela mastectomia bilateral profilática, ou seja – a remoção de ambos os seios como forma de prevenção. Seja para evitar o surgimento do câncer na outra mama saudável ou em casos como o da atriz Angelina Jolie, que, com uma mutação no gene BRCA1, corria cerca de 87% de chance de desenvolver câncer de mama, a solução preventiva tornou-se uma potencial saída para as pacientes; a maioria delas, porém, relatava tristes histórias de como sentiam-se incomodadas como o próprio corpo. Das tatuagens, então, veio o alento – reconstruir o mamilo retoma a familiaridade das pacientes com seus corpos.
“Elas finalmente encaram o espelho e é algo tão emocionante”, diz a médica Rose Marie Beauchemin, do Beau Institute, em Nova Jérsei, nos EUA. O instituto oferece reconstrução de mamilos através de tatuagens por cerca de US$350 – em alguns casos, até com cobertura dos planos de saúde. Beauchemin diz que a única exigência para a realização da tatuagem é que a cirurgia de retirada do tecido mamário já tenha se recuperado por completo. Fora isso, a tatuagem em si exige menos manutenção e tem uma recuperação mais rápida do que uma prótese de mamilo, além de não mais submeter as pacientes a mais um procedimento cirúrgico. “As pacientes sentem-se familiares, inteiras, confiantes – elas se sentem femininas. E é absolutamente incrível de fazer parte deste processo, de ajudar uma mulher a se sentir melhor consigo mesma”, conclui Beauchemin.
No Brasil, diversos tatuadores já aperfeiçoaram a técnica, muitos deles oferecendo descontos às pacientes ou fazendo a repigmentação gratuitamente, como voluntários. O tatuador Kiko faz tatuagens voluntariamente em seu estúdio, Kiko Tattoo, no Rio de Janeiro, e em seu estúdio em Miami (EUA) como parte de uma campanha durante os meses de setembro e outubro; Roberto Santos, tatuador do estúdio Beto Tattoo, no Leblon, tatua cerca de cinco mulheres mastectomizadas por semana. Em São Paulo, o projeto de Miro Dantas, do WaW Tattoo, foi batizado de “Uma Tatuagem por uma Vida Melhor”, e hoje busca patrocínio para seguir tatuando mulheres gratuitamente. No Led’s Tattoo, em Moema, dois tatuadores realizam este trabalho há dez anos, e recebem pacientes do SUS de forma gratuita ou oferecem descontos através do Instituto Quimioterapia e Beleza. Para saber mais, basta entrar em contato diretamente com os estúdios que realizam o procedimento. Depois dos médicos, é hora de ir ao estúdio de tatuagem.
Patricia Wiese
* https://www.cnn.com/2016/03/11/health/double-mastectomy-surgery-increase-breast-cancer/index.html – em inglês