Um marco importante que mudaria minha vida
Por Cris Bicudo
Em 1990, lá estava eu a caminho para o II Simpósio para pais de deficientes auditivos, os quais queriam muito me conhecer. Seria um marco importante em minha vida. O auditório ficava num hospital. Entramos e passamos por diversos corredores até chegar num salão grande e lotado! Achei que fosse sentar ao fundo, discretamente, para assistir alguma palestra ou filme. Mas a Bá, filha da minha querida fonoaudióloga Anna Maria, me chamou para segui-la até a primeira fileira e foi então que vi, no palco, minha mãe com a Anna. Não deu nem tempo de perguntar nada, pois ouvi meu nome sendo anunciado e a Bá me dizendo para subir a escadinha que levava à mesa do palco. Tímida, falei que preferia sentar na cadeira junto ao público, mas fui puxada por uma organizadora para a cadeira vaga entre a minha mãe e a minha fonoaudióloga.
Foi a primeira vez na vida que me vi em um palco, diante de um público enorme formado por pais de deficientes auditivos, médicos brasileiros e estrangeiros e estudantes de psicologia, fonoaudiologia e outros interessados. Não estava preparada e nem imaginava que era tão grande assim. Só depois me falaram que era um Simpósio Internacional Auditivo que acontecia, naquele ano, em São Paulo.
A minha mãe estava lá a trabalho, por indicação da Anna Maria para ser tradutora inglês/português e vice-versa. Mas aproveitando a minha presença, não poderia deixar de relatar a sua experiência pessoal como mãe de uma deficiente auditiva. Ela começou a contar a história que começava desde a gravidez, quando teve rubéola. E depois passou o microfone para mim, só aí que eu soube que tinha que falar alguma coisa, mas não sabia por onde começar. Com a ajuda da Anna Maria: “Cristina, por que não conta para nós como você é na escola? Quem são suas amigas? Onde estuda…”. Foi o empurrãozinho que precisava e, com naturalidade, comecei a falar da minha vida, minha relação com as irmãs, primos e tios. De como era importante ser boa aluna e estudar bastante para passar de ano e sobre as minhas amizades.
Minha mãe complementava minha narração com alguns comentários de como ela me estimulava a falar melhor, aprender a ouvir bem e, assim, incentivar a minha independência.
No encerramento, o que me chamou a atenção foi quando os pais e estudantes não foram conversar com profissionais e com os médicos, mas comigo. Com curiosidade e perguntas sobre coisas que eram simples e cotidianas da minha vida: como eu interagia com outras crianças; se minha perda era profunda mesmo e como eu conseguia falar; se eu já tinha sofrido preconceito e várias outras questões. Senti que, conforme ia respondendo, muitos pais se comoviam, chegando a chorar na minha frente e alguns estudantes queriam saber mais a respeito do método aplicado em mim para entenderem que “milagre” era esse. Até que uma aluna da PUC me fez uma pergunta que seria o ponto de partida da minha vida: “Por que não escreve um livro sobre você? Você tem muita riqueza e valores familiares lindos a serem passados para os outros”.
Naquela época, eu estava mais interessada em curtir a minha fase de estudante, ter minhas amigas e levar uma vida normal. Mas sinto que isso ficou lá dentro da minha cabeça, como uma semente a germinar.
Alguns anos mais tarde, em 2004, quando já morava sozinha em Curitiba e trabalhando numa fábrica, acordava, devido aos horários, muito cedo para trabalhar e encerrava o turno às 17h00. Ao chegar em casa tinha tempo livre para fazer outras coisas. Portanto, aproveitei esse tempo para escrever algumas situações vivenciadas no meu trabalho e um certo dia me veio a lembrança do Simpósio que participei e o pedido dos pais e estudantes para eu escrever minha história. Escrevia alguma coisa da minha vida todo dia após o trabalho. Foi um caminho longo. Meu livro passou nas mãos de algumas revisoras, mas a parte mais demorada e difícil foi a busca por uma editora.
Com a ajuda de uma ex-paciente da minha fonoaudióloga, Anna Maria Jensen, cheguei até a editora Primavera. Juntas formamos uma longa parceria na produção da minha biografia, “Quem é essa tagarela?“, a qual foi feita com carinho e dedicação.