As surpresas em Perfumes de Paris
Por Sayonara Salvioli
Meu romance mais recente, Perfumes de Paris – que tem o selo primoroso da Primavera Editorial – chegou com algumas novidades de bagagem.
Refiro-me a aspectos em que a obra, de modo muito natural, acabou por inovar. Explico-me: em coisas que não eram comuns à época que o livro retrata. E o maior anticlichê que o livro traz é a contestação total às protagonistas da época. Quem já leu Perfumes de Paris e conhece Zola e Dumas Filho, sem dúvida, sabe do que estou falando. Detalho melhor: nos clássicos dos dois referidos grandes autores (tanto em Nana, de Émile Zola, quanto em A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho), ambas as protagonistas eram cortesãs – como todas da literatura francesa de tal época.
Tanto o universo literário como o imaginário do cinema só apresentaram o final do século XIX, na França, pelo viés da cortesã na sociedade. E é aí, essencialmente, que Perfumes de Paris chega contrariando o maior de todos os clichês em romances retratando o período: uma protagonista que, de fato, rompe as amarras de seu tempo e não vive à sombra do homem. Esta é, precisamente, Charlotte Emanuelle.
É claro que o romance apresenta a liberdade e o colorido do Moulin Rouge e do Chat Noir, por exemplo. Charlotte tem pensamento vívido e democrático, sendo capaz de circular pelas casas de espetáculos e fazer amigos de todas as classes. Mas não se deixa afetar pelo que vê: tem personalidade própria e não é uma protagonista comum, submissa ao perfil então vigente. O previsível seria que um romance passado na Belle Époque tivesse na personagem central o perfil da dita dama da noite parisiense.
Vejamos, agora, os outros casos: da literatura convencional de retrato da época. Ora, assim como em Nana, reitere-se – trama em que a personagem principal era uma artista ninfomaníaca tornada uma prostituta de luxo –, também a realística protagonista do clássico A Dama das Camélias, Margarita Gautier, é uma famosa e cobiçadíssima cortesã da França daqueles tempos. Charlotte, pois, inova na medida em que é o contraponto a tudo isto: tem profissão (desempenha um ofício que é uma arte em labor: o ato de fabricar perfumes) e não possui sentimentos frívolos e oportunistas, baseados no ideal feminino da categoria vigente à época: alcançar riqueza a partir de favores dos homens.
É claro que a autoria de Perfumes de Paris não quer aqui, absurdamente, desmerecer as notáveis qualidades literárias de grandes clássicos, e sim apenas apresentar o paradoxo da questão. E a menção é oportuna, por outro lado: convidar também o leitor do romance para conhecer um pouco (se já não conhece) da literatura francesa que retrata o século XIX. Afinal, sempre será bom rever a poesia literária que há em A Dama das Camélias, que como peça estreou no simbólico Theatre de Vaudeville, em Paris, no começo do ano de 1852. E também poderá se encantar ao flanar pela vida francesa apresentada em Nana, onde Zola apresenta o contexto sociocultural do período. E isso é sempre enriquecedor, quesito em que Perfumes de Paris coincide com a referida obra, já que perfaz os caminhos de uma literatura contextual, pela qual – segundo leitores, especialistas, professores (de Literatura e História) e blogueiros – se pode viajar na leitura, percorrer o momento histórico e chegar facilmente à Paris da Belle Époque! E isso, posso esclarecer, começou com a própria autora, que, indiscutivelmente, fez esse transporte ao escrever o livro… Asseguro-lhes!
Quanto à surpresa do final feliz ou não, há aqui que se considerar o que significa o gênero romance. Obviamente, como se pode imaginar, não vou contar se temos happy end ou final trágico, pois é preciso que você, querido leitor, avance gradualmente pela obra. Porém, é bom falar sobre o que significa o gênero romance. Bem, a definição do que seja um romance passa por aquele tipo de narrativa longa, em que se misturam sentimentos e peripécias de personagens, em conflitos típicos da realidade que o autor traz para a ficção. E sua complexidade em idas e vindas – em reviravoltas de acontecimentos – pode terminar de modo triste ou feliz. Aí, é uma escolha da literatura – e nem um final nem outro podem contribuir para qualificar ou descaracterizar a obra em qualidade ou teor.
Bom, não conto o desfecho, mas deixo uma pista… Começo por dizer que também neste ponto – ainda que despretensiosamente (pois a autoria nunca fez outra coisa a não ser deixar a obra fluir, com toda a sua naturalidade e opulência) –, o romance também inovou. E qual é o anticlichê da vez? Não terminou como nas tramas da literatura e do cinema. Quem viu, pois, filmes do final do século XIX (com os acontecimentos comuns à Belle Époque) e, também, quem leu os franceses já sabe: Perfumes de Paris percorreu rota oposta! Resposta adiantada…
De todo modo, no entanto, espero por você, da primeira à última página, pois – relembrando aqui o crítico literário Harold Bloom – que citei no primeiro artigo sobre a obra, nos livros a diferença está não nos caminhos das emoções humanas (que todos vivenciam), mas sim no modo como a autoria descreve esses caminhos e leva o leitor a passear por aí!