Azul e rosa: meninos vestem azul, meninas vestem rosa?
Por muito tempo se acreditou azul e rosa são cores para distinguir gênero. Que azul é a cor dos meninos e rosa das meninas. Mas será que meninos vestem azul, meninas vestem rosa?
Principalmente quando se trata do público infantil, as opções de roupas, brinquedos e acessórios são apresentados nessa dualidade de cores e acabam estereotipando as diferenças de gênero, podando a liberdade das crianças na hora de fazerem escolhas.
De onde vêm essas regras culturais sobre azul e rosa
Cores são percepções visuais da luz que, acreditam pesquisadores, podem causar efeitos psicológicos diversos nas pessoas e orientar suas emoções: acalmar, alegrar, distrair, irritar…
Cores podem afetar a noção que temos do tamanho de um lugar; a ideia de peso de uma pessoa ou objeto; a impressão de iluminação; temperatura; simbologias e muitas vezes até nos fazer recordar de determinados cheiros! Cores ditas quentes, como vermelho, laranja e amarelo, sempre nos trazem a ideia de energia, enquanto cores frias nos passam confiança, profissionalismo e quietude.
Por todo esse poder sobre a psicologia humana, as cores são muito valorizadas em áreas como a de marketing, em layouts de produtos e publicidades, pois têm poder de influenciar a decisão de compra dos consumidores.
Em um restaurante fast food, por exemplo, podemos notar que as cores usadas na decoração são sempre vivas e fortes, propositalmente escolhidas para causar estímulos específicos aos clientes, porque se percebeu que estimulam o apetite. No entanto, algumas escolhas de cores já não parecem fazer tanto sentido assim…
Sobre as cores e a divisão de gêneros
Para chacoalhar o mercado para recém-nascidos, no início do século XIX, marqueteiros e publicitários da época decidiram que era hora de vender produtos com cores definidas, distintas para meninos e meninas. Isto porque, até então, não havia a necessidade social de distinguir crianças pelo gênero.
O que ditava a moda infantil era a praticidade e, de certo modo, a economia: até o século XVIII, a vestimenta típica de uma criança era uma mera camisola branca. Isso mesmo. O senso comum cultural acreditava que roupas para crianças deveriam ser práticas e fáceis de trocar e de lavar, e elas eram usadas por todos os filhos de um casal, do mais velho ao caçula.
O movimento de incluir cores no vestuário infantil foi puramente comercial, pois quanto mais um produto é individualizado, mais ele é vendido, e maior diversidade de um produto de mesma utilidade se consome. Porém, as grandes lojas dos Estados Unidos demoraram a entrar em um consenso: azul era uma cor feminina ou masculina? E rosa? Até meados do século XIX a cor rosa era vendida para meninos em alguns Estados americanos, pois era considerada uma cor forte e vibrante.
Já o azul era para as meninas, por ser uma cor delicada e frágil, além de ser associado à imagem de Virgem Maria em alguns países europeus. Porém, gradualmente, tudo mudou: meninos vestem azul, meninas vestem rosa.
A partir de então, mães que tivessem filhos de sexos diferentes, poderiam distingui-los com roupas coloridas, principalmente azul e rosa, uma vez que a moda vestimental rapidamente tornou-se uma tendência social.
E assim os estereótipos passaram a chegar à vida da criança antes mesmo de ela nascer.
No entanto, talvez fosse muito banal ficarmos conversando uma cor ou outra, azul ou rosa, se fosse um tema tão simples como soa ao primeiro olhar. A grande questão é que este vocabulário visual dita regras escondidas, carregam o peso de estereótipos que acaba refletido nas escolhas de vida dos adultos.
Especialistas afirmam que papéis de gênero ditados na infância influenciam o desenvolvimento cognitivo ou afetivo das crianças, que começam a adequar suas próprias identidades a essas normas culturais durante os primeiros anos de vida.
Em muitos lugares, um menino que usasse rosa na escola, ainda nos dias de hoje, muito provavelmente seria julgado pelos próprios colegas, visto como feminino. Uma menina que não gostasse de rosa simplesmente por preferir outras combinações talvez fosse vista com menos feminina. Cor não deveria definir ninguém. E os reais comportamentos de gênero vão muito além dos padrões estabelecidos.
Uma menina que cresce em um quarto cor de rosa, só usa vestidos cor de rosa e tem, em sua maioria, brinquedos femininos como bonecas, kits de chá ou salão de beleza (todos em tons rosados, claro), passa a assimilar que aquela é a cor ideal para ela.
Pesquisas americanas apontam que aos três anos de idade as crianças já absorveram essas regras não escritas, que vão muito além das cores, uma ponta no iceberg.
Será coincidência que, segundo dados da Unesco, apenas 30% das universitárias americanas escolhem carreiras relacionadas à ciência, tecnologia, engenharia ou matemática? Ou que mesmo as eleitoras brasileiras estando dispostas a votar em mulheres, não temos candidatas suficientes para nos equipararmos aos homens na representação política?
Se vivêssemos em uma sociedade igualitária e sem preconceitos, onde não houvesse tanta desigualdade entre homens e mulheres, em que pessoas gays e trans fossem respeitadas por suas escolhas, a discussão sobre azul e rosa talvez perdesse todo seu valor e se tornasse mera banalidade.
Infelizmente, não é o caso… ainda. Nos libertemos desses padrões antigos de distinção entre gêneros, criemos crianças apenas felizes e bem resolvidas, com liberdade e amor, façamos delas o futuro de um mundo de todas as cores.
Ana Maria Sbardella, jornalista.