Volta às aulas: como a leitura pode rivalizar com a internet e os jogos eletrônicos?
* Luis Eduardo Matta
Como escritor de livros juvenis adotados em salas de aula, tenho tido, ao longo dos últimos anos, a oportunidade de estreitar os meus laços com o universo escolar e conviver com as questões relacionadas ao ensino – especialmente, nas disciplinas de literatura e língua portuguesa. Visitar as escolas é, para mim, além de um grande prazer, uma forma de dialogar com os jovens e, por meio deles, compreender melhor o mundo em que vivemos, repleto de contradições e desafios.
Não é fácil trabalhar com educação no Brasil de hoje. Muitos jovens crescem em ambientes familiares desestruturados, cujos pais – por razões que incluem, entre outras coisas, uma jornada de trabalho longa e exaustiva – se não estão completamente ausentes do cotidiano dos filhos, criam-nos de maneira equivocada e desregrada; não raro, transferindo a missão de educá-los para a escola. O incentivo à leitura que deveria, em boa medida, acontecer dentro de casa, acaba sendo delegado inteiramente aos professores. Muitos deles, ao se depararem com essa responsabilidade, ficam compreensivelmente desnorteados. Afinal, é na adolescência que a opção, ou não, pela leitura se sedimenta. Em um cenário em que a sala de aula se converteu no principal ponto de encontro entre jovens e livros, os professores foram investidos de uma missão quase messiânica de salvar as novas gerações da ignorância, despertando nas crianças a intimidade com os livros e a prática da leitura.
Como fazer com que a garotada, cada vez mais seduzida pelos apelos tecnológicos e às voltas com a superficialidade e velocidade do mundo contemporâneo, deixe de lado a internet, os filmes com efeitos especiais e os jogos eletrônicos para se concentrar na sobriedade das páginas dos livros? O início do ano letivo é uma excelente oportunidade para refletir sobre essas questões, pois, em muitas escolas, é a época em que o cronograma de leitura dos quatro bimestres é definido. E como muitos professores já sabem, as possibilidades de se trabalhar com êxito a literatura em sala de aula são inúmeras. Creio que, em primeiro lugar, é de fundamental importância desmistificar o livro. Jovens costumam não se render aos cerimoniais criados em torno da literatura e a maioria foge apavorada deles. Grande parte do problema na difusão da leitura no Brasil é o caráter excessivamente didático e institucional que se dá a escritores e suas obras. Literatura é, acima de tudo, para ser lida; nunca é demais reiterar que a leitura regular só entra para valer no cotidiano das pessoas sendo uma atividade prazerosa.
Ressaltar o caráter lúdico do ato de ler – buscando situá-lo no mesmo patamar de hábitos de lazer caros à maioria dos jovens, como o cinema, os jogos eletrônicos, a televisão e a internet – é um ótimo primeiro passo. Uma estratégia que costuma funcionar é o professor reservar uma parte da aula para comentar, descontraidamente, sobre livros que leu ou está lendo, concentrando-se menos nos aspectos formais das narrativas e mais em conflitos e situações curiosas das tramas – o que poderá despertar a curiosidade imediata nos alunos. O mesmo recurso pode ser usado em debates em sala de aula em torno da obra adotada naquele bimestre. De uma turma de, digamos, vinte alunos, seguramente uns três ou quatro terão lido o livro com atenção e se encarregarão de conduzir, naturalmente com o professor, um bate-papo com aquele entusiasmo apaixonado bem característico da adolescência, instigando, dessa forma, os demais colegas a mergulhar na história.
Uma terceira alternativa – mais ambiciosa, porém não menos eficiente –, que já tive, inclusive, a chance de presenciar com títulos meus ou de outros autores, é propor aos alunos que reescrevam a parte final do livro, dando outro destino aos personagens e alterando situações. Ou, ainda, convidá-los a imaginar uma continuação para a história. A dramatização teatral de uma obra literária adotada é outro exercício que quase sempre funciona. Além disso, o professor pode dar dicas de livros interessantes fora da grade curricular; neste caso, optando, sempre que possível, por títulos que ele ache que poderão interessar aos alunos.
É fato que os jovens estão lendo cada vez mais, mas é pouco se compararmos com o conjunto da nossa população, ainda bastante carente de conhecimento. Precisamos avançar bastante nessa área fim de superarmos os problemas sociais que historicamente atormentam o Brasil e é a leitura que vai nos fazer chegar lá.
* Luis Eduardo Matta
Considerado uma das vozes mais criativas e originais da nova literatura nacional, Luis Eduardo Matta iniciou sua carreira literária em 1993, aos 18 anos, com o livro “Conexão Beirute-Teeran” (Chamaeleon Edições). É autor, ainda, dos thrillers “O véu” (Primavera Editorial), “120 horas” (Editora Planeta) e “Ira Implacável” (Razão Cultural Editora); dos juvenis “Morte no colégio” (Editora Ática) e “O dia seguinte” (Escrita Fina Edições), e das séries “Os caça-mistérios” (Editora Ática), de histórias policiais infantojuvenis, e “As bem resolvidas(?)” (Editora Vermelho Marinho), de livros chick lit YA. Participou das antologias de contos “Território V” (Terracota Editora), “Dimensões.BR” (Editora Andross), “Jogos criminais” (Editora Andross) e “Internautas: os chips reinventando o nosso dia a dia” (Editora Melhoramentos).