Como uma garota: sobre as dificuldades de atletas mulheres
Tornar-se um atleta de alta performance é definitivamente um desafio sacrificante. Além das horas diárias de treinos repetitivos, dietas rígidas e a exposição excessiva do próprio corpo a lesões e acidentes afins, há ainda a incansável busca por patrocínios ou apoio financeiro para custear esta trajetória. E como se já não fosse o bastante, entre atletas mulheres, o desafio é ainda maior. Uma expressão comum na língua inglesa, “like a girl”, ou, traduzindo, “como uma garota”, sugere, de forma pejorativa, que alguém execute uma tarefa – em sua vasta maioria uma tarefa atlética – de forma fraca, faltosa ou insuficiente… como uma garota o faria. A cultura do esporte ao redor do mundo reflete exatamente este ponto: enquanto não há nada que impeça uma mulher de ter uma performance desportiva, a sociedade ainda submete atletas femininas aos mesmos velhos estereótipos de sempre, tornando suas carreiras ainda mais difíceis.
Uma nova campanha da marca alemã Adidas com a ex-tenista Billie Jean King trouxe à luz uma questão ainda muito relevante: apenas 4% dos atletas mostrados na mídia são mulheres. A campanha visa mostrar o quanto esta falta de espaço para as mulheres no universo desportivo se reflete em diversos níveis. Apenas na cidade de Nova Iorque, foco da divulgação da campanha, meninas tendem a abandonar suas práticas desportivas (independentemente de quais sejam) com o dobro da frequência se comparadas aos meninos; 28% destas meninas também disseram que as oportunidades de tornarem-se atletas profissionais caíam significativamente com o passar do tempo.
Billie Jean King é conhecida pela chamada “Batalha dos Sexos”. Em 1973, King fora desafiada pelo tenista Bobby Riggs a uma partida valendo cem mil dólares como prêmio. Tudo porque Riggs considerava tenistas femininas tão inferiores que achava ser capaz de vencer qualquer tenista profissional da época, mesmo já tendo 55 anos. King, aos 29, venceu a partida – e veio a público dizer que a grande importância desta vitória era justamente a de aumentar o respeito e o reconhecimento pelo tênis feminino.
Quase meio século mais tarde, o retorno de King volta ao foco da representatividade de gênero no esporte e extrapola até mesmo as barreiras do marketing: durante o Grand Slam francês de tênis deste ano, o alvo foi Serena Williams, tenista americana com mais títulos da atualidade. Serena teve seu macacão preto, desenvolvido pela marca Nike especialmente para conter a formação de coágulos sanguíneos – de que Williams já havia relatado sofrer com frequência – banido pela Federação Francesa de Tênis sob a justificativa de que o traje desrespeitava o código de vestimenta de Roland-Garros. As críticas foram imediatas – e absolutamente justas: tratava-se de mais uma atleta sendo julgada por sua aparência e não por sua performance. Em resposta, a Nike apresentou Serena num traje inspirado num tutu de bailarinas, desenhado especificamente para ela pelo estilista Virgil Abloh.
Uma semana depois, no Grand Slam americano, foi a vez de outra tenista ser punida. Diante das altas temperaturas da capital Nova Iorquina, a francesa Alize Cornet tirou sua blusa por cerca de três segundos depois de tê-la vestido ao contrário… e foi devidamente repreendida com uma violação, mesmo usando um enorme sutiã desportivo. No mesmo evento – e diante da mesma onda de calor – o sérvio Novak Djokovic sentou-se, sem camisa, à beira da quadra, no intervalo da partida que disputava, sem qualquer incômodo.
Indo além do espectro das carreiras das próprias atletas, as mulheres ao redor do universo desportivo também sofrem com a estereotipificação: de jornalistas em coberturas de eventos esportivos às mulheres que são parte de equipes técnicas ou comissões arbitrárias, o entendimento das mulheres sobre esportes também é frequentemente questionado ou subjugado. Apesar disso, as mulheres têm tido mais visibilidade desportiva do que nunca – enquanto nos jogos Olímpicos de Paris em 1900, quando mulheres competiram pela primeira vez, eram apenas 22 delas, os jogos do Rio já contaram com quase 45% de mulheres entre todo o contingente de atletas. A iniciativa de marcas desportivas, como é o caso da campanha da Adidas e da interferência da Nike com Serena Williams, também faz a diferença ao fazer coro diante da discussão de como as mulheres devem ser tratadas no universo esportivo. O próximo passo cabe a todos nós: separar a ideia de que mulheres não são tão aptas às práticas desportivas quanto os homens; e que jogar como uma garota significa apenas… jogar.
Foto: Tim Clayton – Corbis/Corbis via Getty Images
Patricia Wiese
Jornalista