A imprensa de diferentes décadas e a defesa do “bater em mulher”
Se uma mulher merecer, ela deve levar palmadas? Esse foi o mote de uma reportagem na década de 1950, conduzida pelo jornal New York Daily Mirror. A enquete trazia as visões dos cavalheiros entrevistados sobre o tema “bater em mulher”; e mostrou que todos eram amplamente favoráveis à prática como forma eficiente para corrigir comportamentos femininos inadequados.
E, o que viria a ser um comportamento adequado e que afastaria a necessidade de punição? Um artigo dos anos 1950, publicado pela Housekeeping Monthly – Guia da Boa Esposa – pode nos dar uma pista do que seria essa adequação comportamental:
“Não faça perguntas sobre ações ou que questionem a integridade dele; lembre-se, ele é o dono da casa e, como tal, irá sempre exercer a sua vontade com imparcialidade e veracidade; você não tem o direito de questioná-lo”.
Bater em mulher podia?
Voltando à enquete do jornal, os depoimentos nos trazem um pouco do espírito da época.
“Por que não? Se elas não sabem se comportar quando adultas, elas devem ser tratadas como crianças e surradas. Isso deve fazê-las crescer rapidamente. Se não o fizer inicialmente, elas logo entenderão”, opinara Miguel Matos.
Na visão de Frank Desiderio, elas mereciam. “Como um barbeiro, eu tenho muita fé na escova de cabelo. Eu acho que existem certos casos em que é aconselhável bater em mulher. Quando é, não existe razão para que você não vá em frente e o faça. Eu não consigo deixar de lado a ideia. No meu negócio, um homem tem grande confiança nos resultados que pode obter com a aplicação apropriada de uma escova de cabelos”, ensina.
O terceiro entrevistado, Teddy Gallei, afirmou que essa seria uma forma de mostrar quem está no comando. “Pode apostar que sim. Isso ensina a elas quem é o chefe. Um monte de mulheres esquece-se de que este é um mundo dos homens, e muitos homens que deixaram a posição de chefe de família gostariam de não o ter feito. Uma surra pode ajudá-los a recuperar o respeito que eles perderam”, declara.
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Um passado não tão distante…
Estamos falando de 1950 e para além. Em 1965, o ator Sean Connery concedeu uma entrevista à revista Playboy no qual afirmou não ver nada de particularmente errado em bater em uma mulher, mas que isso não deveria ser feito da mesma forma que faria com um homem.
“Um tapa com a mão aberta é justificado se todas as outras alternativas falharem”.
Ainda me pergunto quais seriam essas alternativas!
Na década de 1980, quando o icônico James Bond foi questionado por Barbara Walters, durante uma entrevista para um canal norte-americano, ele foi categórico: “Eu não mudei de opinião. Não acho que seja bom, não acho que seja tão ruim. Acho que depende das circunstâncias e se ela merecer. Elas querem ter a última palavra e você lhes dá a última palavra, mas elas não ficam felizes. Querem dizer isso de novo e entrar em uma situação realmente provocativa. Então, acho que está absolutamente certo”.
Mas, óbvio, algum tempo depois, nos anos 2000, Sean Connery afirmou que não apoiava a violência contra as mulheres. “Não acredito que qualquer nível de abuso de mulheres seja justificado sob quaisquer circunstâncias”, teria dito.
Acho importante entendermos que os casos de violência contra as mulheres são parte de uma construção social. Ou seja, a prática de punir mulheres – inúmeras vezes com a morte – integra uma forma de enxergar o feminino como algo menor.
É muito duro ler esses relatos, mas é essencial para entendermos como a sociedade se portou tão recentemente. Claro que é possível dizer que evoluímos, mas será que isso é verdade? Com tantos casos de feminicídio e tantas mulheres sendo privadas de liberdade, a exemplo do que estamos vendo no Afeganistão em pleno 2021, é necessário enxergar esse passado-presente para que possamos, juntas, construir um futuro melhor para nós e para as gerações do porvir.